Novo clássico do cineasta romeno Radu Jude coloca uma trabalhadora informal e influencer no TikTok para guiar você nesta espiral descendente que é a Romênia
O significado do conceito sobre que é arte é relativa, e é desafiador a forma como vemos e identificamos o que uma obra realmente é. Às vezes, nem sempre é fácil de compreender. A mesma coisa funciona quando assistimos aos filmes de Radu Jude. O cineasta romeno tem o talento de unir o polêmico com o político, misturando estas duas singularidades como experimento em seus filmes. Seu penúltimo trabalho, o tão experimental, mas também tão polarizado e debochado Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental ousou provocar a mente dos espectadores para uma reflexão, unindo muita hipocrisia em personagens que quase enxergamos a nós mesmos. É um filme que ainda atinge vertiginosamente qualquer conceito estabelecido de cinema, unindo e misturando gêneros de comédia para dentro de uma experiência cinematográfica.
Três anos depois, seu último trabalho intitulado Não Espere Muito do Fim do Mundo é tão provocativo e intencionalmente sujo que você vai sentir o diretor independente cutucando as feridas abertas da Civilização Ocidental. Esta verdadeira provocação tem como alvo as mídias sociais, a grande mídia, a semana de trabalho árdua e abusiva, a misoginia desenfreada nas redes sociais e fora dela, histórias revisionistas e a forma como somos obrigados a lidar com realidades dolorosas. Jude pega todas essas coisas e faz uma mistura maluca, criando uma espiral descendente e lenta enquanto nos divertimos e abusamos de nós mesmos até a morte. O diretor está obrigando você a se olhar no espelho e observar o mundo a sua volta.
É na personagem tão real quanto nós, Angela (Illinca Manolache), que muitas vezes nos vemos identificados com seus problemas. Ela é uma assistente de produção de Buscareste que não consegue descansar e não para de agradar a sua chefia austríaca. Sua empresa, Forbidden Planet, é especializada em sensacionalismo; ela foi encarregada de encontrar indivíduos que sofreram acidentes no trabalho. E assim que o alarme toca às 5h da manhã, Angela está em seu carro, zunindo de um lugar para outro enquanto toca música eletrônica hilariante. Ela passa muito tempo na estrada, onde o desrespeito no trânsito é uma constante para ela. Entre levar sua mãe para visitar o túmulo de sua avó falecida em mau estado por causa da burocrática inepta, ela posta vídeos no TikTok de seu altere ego Bobita, uma caricatura grosseira de um cidadão comum, com um filtro que dá sobrancelhas espessas e barba mal-feita que vomita discursos misóginos sobre as mulheres nas redes.
Embora seu personagem caricato nas redes seja comparado aos motoristas odiosos que gritam com ela no trânsito o dia todo, ela é o oposto dele. Ela fica confusa com uma sociedade ridícula que ela assiste, com toda sua hostilidade infectado em muitos aspectos da vida cotidiana da Romênia. As cenas filmadas em preto e branco das corridas de Angela de um lado para o outro estão em clipes de outro filme romeno dos anos 1980 chamado Angela Moves On, um melodrama sobre uma taxista infiltrada em um ambiente dominado por homens. Essa Angela também sofre com olhares sujos, exposições sexistas e horas de trabalho intermináveis.
E o que Jude faz é trazer a personagem do filme de 1980 para dentro da narrativa. Seu herói conhece a personagem idosa daquela obra, e as duas Angelas estão cara a cara. Como um subversivo moderno, Jude se destacou por suas produções consistentes e autodidata de fazer cinema. Ele mexe consistentemente nos gêneros abordados com formas narrativas e quartas paredes. Ele retratou a era Nicoae Ceausescu por meio de épicos de gênero, como Aferim! (2015), ajustou a estética documental em Não Me Importo se Entrarmos na História como Bárbaros (2018) e em Má Sorte no Amor no Pornô Acidental (2021), o cineasta encontrou a forma de atacar usando uma variedade de estilo e humor risonho misturado com uma raiva deprimida. Também é uma forma de se enfurecer contra um sistema por meio de uma grande ousadia e coragem.
Nem sempre um filme da maneira convencional é a chave para chamar atenção. Por causa disso e em muitas vezes, os melhores filmes refletem a sociedade em si mesma, e Não Espere Muito do Fim do Mundo é um espelho rachado e repleto destes estigmas. Você não gostará do que vai ver, tampouco se sentirá bem por isso. Mas é assim, no entanto, que servem os filmes na vida para um significado maior do que é enquanto arte: a projeção das grandes telas de cinema para denunciar o que há de mais errado no mundo — neste caso, em nós mesmos.