Há algo totalmente comum nos filmes de Richard Linklater: ele adora guiar o espectador por histórias nunca contadas. Ele faz isso como ninguém, principalmente para quem cresceu nos anos 1990 e 2000 assistindo produções tão peculiares, tais como Jovens, Loucos e Rebeldes de 1994 e Escola do Rock de 2004. Suas histórias, todas elas repletas de longos diálogos de interação entre seus personagens, são uma das marcas mais conhecidas da filmografia de Linklater. Desta vez, ao percorrer pelas páginas da edição de outubro de 2001 da revista Texas Monthly, ele encontrou um artigo de Skip Hollandsworth sobre um cara chamado Gary Johnson. Ele foi descrito como tendo 50 anos, alto e magro, “que às vezes usa óculos de armação metálica que dão a ele uma aparência erudita”.
Ele dá aulas em uma faculdade e na maioria das vezes finge ser um assassino profissional do departamento de polícia quando eles querem organizar operações policiais para pegar acusados de conspiração para cometer assassinato. Nada melhor do que Glen Powell ajudar Linklater com mais esse personagem inusitado, outro texano que possui esse talento especial para a loucura. O cineasta norte-americano deu a Powell um pequeno papel em Nação Fast Food: Uma Rede de Corrupção (2006) e uma grande chance em Jovens, Loucos e Mais Rebeldes (2016); sua interpretação do residente de um time de beisebol universitário foi, para muitas pessoas, o marco zero para o fandom instantâneo. Mais radicalmente, aproveitaram uma troca em que uma mulher numa relação abusiva tenta contratar Johnson pelos seus serviços. Em vez de prendê-la, ele sugere que ela deixe o namorado e entre em contato com o serviço social. Para Linklater e Powell, é o início de uma história de amor.
Uma parábola de um crime verdadeiro que se transforma em uma comédia romântica surpreendentemente sensual, esta história de um homem que está descobrindo seu lado alfa interior parece estar fazendo malabarismos com vários gêneros sem sequer suar a camisa. Assassino Por Acaso, disponível simultaneamente no cinema e na Netflix, é sobre o charme sulista, a presença nas telas e a potência que o ator de 35 anos projeta quando apontamos uma câmera para ele. Também é o momento em que testemunhamos não uma, mas duas metamorfoses, e Assassino Por Acaso se torna um grande uma história sobre Gary, um homem invisível, desprezado por todos, desde seus alunos até a sua ex-esposa. Seu alter ego, no entanto, deixa todos nervosos. Ron não apenas despertou o senso de identidade de Gary, ele o capacitou a ser algo mais próximo de quem ele realmente deseja ser. Em vez de um assassino, ele é um amante — não apenas de uma mulher como Madison, mas de si mesmo.
Ficamos chamuscados pelo calor corporal que emana das cenas sempre que o casal está junto na tela. É também onde Arjona se destaca como parceira de tela. Ela entra no ritmo com Powell, e isso realmente se torna um ato duplo. No filme, há uma sequência perto do final em que a polícia suspeita que Madison matou seu marido e envia Gary para incitá-la a uma confissão para que eles pudessem gravar. Quando ele entra na casa dela, o protagonista sinaliza por meio de mensagens de celular que eles estão sendo ouvidos, então ela precisa entrar no jogo. O que se segue é um grande exemplo de dizer uma coisa, significando outra, e representar fisicamente reações reais em uma conversa. É uma comédia maluca com um cheiro de química e pólvora. Não me soa surpreendente que Linklater misture o texto, os diálogos dentro de uma atuação fisicamente incrível para fazer disso um resultado surpreendente de um filme.
Assassino Por Acaso é em grande parte um show de um homem só realizando aquilo que ele sempre sonhou em ser: interpretar e dar vida a personagens na frente de um ecrã enorme de cinema. Há reviravoltas tardias dentro de contextos de personagens secundários que fará com que você se importe com o que, de fato, vai acontecer no final. Gary acaba se transformando em uma versão melhor de si mesmo.
Pode ser o melhor momento da carreira para Glen Powell, cujas atuações em Top Gun: Maverick (2022) e a comédia romântica Todos Menos Você (2023) abriram as portas para novas abordagens em seu trabalho que é performar e dar alma a novos personagens. Powell, que interpreta nosso protagonista não precisa desse tipo de transformação radical, mas a interpreta de uma forma natural, o que faz parecer fácil diante das grandes telas. Ele não apenas entrega a humanidade de um personagem que quer ser outro tipo de homem, mas também nos entrega uma certa mensagem em relação a Gary que quase deixamos passar — de que o que realmente queremos, no final, é ser amado.