‘F1: O Filme’ é o GP que Brad Pitt já venceu antes da largada

Brad Pitt é um piloto veterano em busca de redenção e acelera direto para o coração do cinema clássico, que aposta no carisma da velha estrela como combustível de alta octanagem

Idris e Pitt em 'F1: O Filme'. © Warner Bros. Pictures/Apple Original Films

Existe uma velha máxima em Hollywood que diz que o astro faz o filme, e não o contrário. É uma frase antiga, quase cínica, que perdeu força nos últimos anos, afogada na maré dos universos compartilhados, das franquias recicláveis e das propriedades intelectuais que dispensam atores de verdade. Mas F1: O Filme, disponível no Arcoplex Cinemas do Shopping do Vale, surge como um retorno ensurdecedor a essa ideia clássica — um testamento de que, sim, ainda há espaço para um filme que gira em torno de um único homem, um rosto, um ícone. Brad Pitt, aos 60 anos, veste o macacão de Sonny Hayes como quem reencontra uma versão adormecida de si mesmo: rebelde, ferido e lendário. E o que o diretor Joseph Kosinski faz, com toda sua precisão cirúrgica herdada de Top Gun: Maverick, é construir uma máquina cinematográfica inteira ao redor dessa figura para glorificá-la — como nos tempos de Gary Cooper ou Steve McQueen, que não precisavam de arcos complexos para provar seu valor. Bastava estar ali, de pé, com o mundo pegando fogo ao redor.

O enredo de “F1” não inventa, nem tenta nada novo. Hayes é o veterano esquecido, o piloto que perdeu tudo depois de um acidente trágico nos anos 90 (envolvendo, veja só, Ayrton Senna), e vive agora em semi-eremitismo, morando numa van e participando de corridas alternativas como quem foge do próprio nome. Sua trajetória começa exatamente como manda o manual: um chamado para a última dança. Javier Bardem entra em cena como Ruben, ex-amigo, agora dono de uma equipe falida, e oferece a Hayes a chance de salvar a si mesmo salvando os outros. É uma estrutura tão clássica que beira o religioso: o retorno do herói, o mito desbotado que precisa reencontrar sua luz. Mas o que poderia ser cansativo na mão de outro cineasta, ou de outro ator, aqui ganha corpo e urgência porque há verdade no que se faz. O filme acredita em cada batida, em cada clichê. E o espectador, por incrível que pareça, acredita junto.

Há algo de profundamente magnético na forma como Kosinski filma Pitt. A câmera o observa como quem vê um fantasma retornando à vida, seus passos lentos, o modo como segura o volante, a relutância de tocar no troféu da vitória. É um estudo de personagem feito não por meio de diálogos expositivos, mas de gestos, olhares e enquadramentos que o colocam em contraste com um mundo que parece ter corrido demais e esquecido dele. E o filme se recusa a rir disso. Sim, há piadas sobre sua idade — jornalistas sarcásticos, um jovem piloto desconfiado, até a mãe do novato entra na onda — mas tudo isso é colocado para evidenciar que ninguém naquela pista tem o que Sonny Hayes tem. Nem mesmo Joshua Pearce, interpretado com intensidade crescente por Damson Idris, consegue escapar da gravidade que o personagem de Pitt exerce sobre o filme. Eles são opostos em colisão. O novato que precisa provar seu valor e o veterano que precisa reaprender a compartilhar a pista. A tensão entre os dois move a narrativa, mas o que a sustenta é o respeito que um passa a sentir pelo outro.

F1 também é sobre o espetáculo, e nisso ele entrega o que promete com um rigor técnico quase assustador. Filmado durante uma temporada real da Fórmula 1, com acesso total aos bastidores e aos boxes, o filme mergulha nas pistas das corridas. As cenas de pista são vertiginosas, coreografadas com um virtuosismo que te faz esquecer por instantes que tudo aquilo é encenação. Claudio Miranda, o diretor de fotografia, repete a proeza de Maverick ao nos colocar dentro do capacete, sem perder o senso espacial nem a beleza gráfica dos circuitos. São câmeras coladas ao asfalto, movimentos que acompanham cada curva como se fossem extensão dos pneus, e transições elegantes entre a perspectiva do piloto e a visão lateral do carro. É uma imersão visual que não tem vergonha de ser grandiosa. E por mais que o roteiro siga o GPS emocional dos filmes de esporte — derrotas parciais, atritos na equipe, superação coletiva e glória final — tudo isso ganha outro peso quando embalado por uma produção que soa mais como evento do que como narrativa.

O filme é, acima de tudo, uma celebração da mitologia masculina. Não no sentido raso e testosterônico, mas como um retorno consciente ao arquétipo do homem em conflito com o tempo. Hayes é um cavaleiro solitário, um sujeito que se recusa a morrer em silêncio, que encontra sentido não no pódio, mas na luta. O filme diz que o mais importante não é vencer, mas correr — e, claro, isso é uma mentira. Todos ali querem vencer, e o filme também. Mas é uma mentira bonita, daquelas que sustentam as grandes histórias. Brad Pitt encarna esse ideal com tanta convicção que até seus silêncios falam. Há algo em seu sorriso torto, em seu olhar que já viu demais, que comunica mais do que qualquer monólogo. Ele é um ator que entende o poder do subtexto, que sabe exatamente quando deixar que a luz faça o trabalho. É essa intuição, essa entrega, que torna o filme tão magnético.

Se há fraquezas, elas vêm dos coadjuvantes mal aproveitados. Kerry Condon, por exemplo, é competente como a engenheira Kate, mas o roteiro vacila entre dar a ela um arco e transformá-la em suporte romântico funcional. Kim Bodnia e Tobias Menzies preenchem os papéis esperados com competência, mas sem surpresa. O que falta, talvez, é risco. Tudo aqui está muito bem calibrado, muito seguro. E embora a precisão seja o que define a Fórmula 1, o cinema às vezes precisa derrapar para ser inesquecível. O filme acerta em cheio no que se propõe, mas não ousa sair da curva para tentar algo novo. Sua ousadia está mais na execução do que na concepção. Mas que execução.

F1 não é um manifesto por um novo cinema, nem pretende ser. Ele quer, antes, mostrar que a velha fórmula ainda funciona — desde que você tenha o piloto certo no volante. Brad Pitt é esse piloto. Ele conduz o filme com leveza, carisma e uma profundidade quase invisível. É como uma máquina perfeita, você não percebe as engrenagens, só o desempenho. Quando o personagem diz que tocar no troféu dá azar, sabemos que não é superstição, mas acaba se tornando em filosofia de competidor. A glória está diante do percurso. E, nesse sentido, esse filme é uma volta completa. Não importa que o caminho já tenha sido trilhado antes. Quando a estrada é boa e o piloto é brilhante, a gente corre junto — e torce até a última curva.