A responsabilidade que acompanha o escudo vermelho, branco e azul é pesada. Como todos sabem, Sam Wilson, o antigo Falcão, assumiu o manto de Capitão América. Na série Falcão e o Soldado Invernal, ele ainda usava seu nome de super-herói anterior, mas agora ele finalmente aceita seu papel como o novo Capitão, representando uma nação fictícia que, ao menos nesse universo, se dedica à verdade e à justiça. Ele está determinado a ser o Capitão América da nossa era moderna, mas o que esse título representa no século 21 é diferente do significado que ele tinha no século passado.
Dirigido por Julius Onah (O Paradoxo Cloverfield), Capitão América: Admirável Mundo Novo pretende consolidar Wilson — e, por consequência, Anthony Mackie, o ator que o interpreta há mais de dez anos — como o líder de uma possível nova versão dos Vingadores. E nesse ponto, o filme cumpre seu objetivo. Mackie, com sua presença de palco imbatível, está à altura do desafio de comandar uma grande produção de sucesso. Suas credenciais no gênero de super-heróis já estavam bem estabelecidas, e ele certamente subiu de nível com esse papel.
Wilson questiona a ideia de heroísmo patrocinado pelo Estado, um conceito que nem os políticos entendem completamente. Há muitas ideias profundas, mas infelizmente, muito pouco delas chega à grande tela. A subtrama do Capitão dentro do MCU poderia se encaixar como um thriller de conspiração dos anos 1970, mas o filme acaba sendo mais um clichê de ação dos anos 1990, com cenas sem conexão real entre si. Parece que tentaram colocar um leve tempero de suspense político sobre um filme mais genérico da Marvel, tomando todo o cuidado para não desagradar os grandes patrocinadores ou o grande sistema.
Wilson pode ser um novo Capitão América, mas ainda usa suas asas para se locomover. O Falcão da nova geração, Joaquin Torres (Danny Ramirez), ainda está aprendendo a voar. Juntos, eles conseguem interromper a venda de contrabando para alguns criminosos, intermediada por Sidewinder (Giancarlo Esposito), membro da organização mercenária “Serpente”, que tem temática de répteis. O contrabando é o adamantium, um metal indestrutível, mais associada a um X-man. Como a introdução desse elemento valioso será utilizada para integrar os mutantes no MCU, ainda é um mistério. De qualquer forma, o adamantium foi encontrado na Ilha Celestial, uma ilha descoberta e composta por um Celestial morto — cof, cof, Eternos.
Enquanto isso, na Casa Branca, Thaddeus “Thunderbolt” Ross (Harrison Ford), ex-caçador do Hulk e agora presidente dos Estados Unidos, tenta fechar um acordo com as nações aliadas para compartilhar uma recompensa valiosa. A intervenção do Capitão América, ao impedir a venda de adamantium para um comprador criminoso desconhecido, foi crucial para evitar que a proposta diplomática se transformasse em um desastre. Ross, que no passado defendia a supressão dos super-heróis, agora se vê forçado a colaborar com o Capitão para um “bem maior”.
Wilson, Torres e Isaiah Bradley (Carl Lumbly), o super soldado original que foi preso e submetido a experimentos — uma história com profundos traumas históricos — são convidados a participar de um evento na Casa Branca. Durante a apresentação, Bradley e vários agentes do serviço secreto são subitamente “ativados”, e tentam assassinar o presidente. Ross, felizmente sobrevive ao ataque. Wilson, por sua vez, é instruído a manter distância, mas decide investigar quem está por trás da armação que incriminou seu amigo.
Admirável Mundo Novo conecta uma série de eventos do passado de Ross com a recente eleição presidencial e o acordo de contrabando frustrado, entre outros elementos que, embora periféricos, se entrelaçam com a narrativa maior do MCU. A chefe de segurança do presidente, Ruth Bat-Seraph (Shira Haas), entra em cena com habilidades impressionantes, forjadas na Escola de Viúvas Negras — uma especialista capaz de se defender de qualquer ameaça. A série também conta com participações especiais, sendo uma das mais notáveis a constante menção ao nome Samuel Sterns, um personagem que é um aceno para os fãs do Incrível Hulk.
Para aqueles que já assistiram ao trailer, a transformação de Ross em sua versão “vermelha” do Hulk, conhecida como Hulk Vermelho, não é nenhuma surpresa. A escolha de Ford para o papel de presidente dos Estados Unidos não é aleatória, visto que o ator tem um histórico de interpretar líderes fortes e combativos. Neste filme, o líder do país abraça seu lado mais brutal, destruindo literal e figurativamente marcos históricos em Washington, DC. Ross, ao se transformar, se torna uma força de destruição imensurável, embora, de forma irônica, ainda seja apenas o segundo presidente mais furioso e destrutivo da história dos Estados Unidos no MCU.
Embora ninguém esperasse uma reflexão profunda sobre momento atual através do espelho de um filme da Marvel, especialmente considerando que Falcão e o Soldado Invernal ofereceu o cenário ideal para isso, o fato é que essa última aventura do Capitão América mal consegue cumprir a promessa de entretenimento e emoção que se espera. A maior falha do filme está na falta de coesão de sua trama. As histórias não se conectam de forma orgânica, e as cenas, sejam tiroteios no Oceano Índico, confrontos em laboratórios sombrios, discussões nos corredores do poder ou batalhas nas ruas, parecem desconexas e sem um fluxo claro. Quando os momentos climáticos finalmente chegam, é difícil não se sentir entorpecido por mais um ataque de CGI, que remete a uma infinidade de outras produções de super-heróis de grande escala, sem oferecer nada de novo ou impactante.
Não há dúvidas de que, em um cenário como o atual, o grande jogo da indústria do entretenimento segue implacável: tudo o que o gênero oferece é absorvido, e o que importa é o retorno financeiro para os acionistas, independentemente da qualidade. Embora Admirável Mundo Novo não seja tão ruim quanto alguns dos momentos mais fracos do MCU nos últimos anos, essa tentativa de reviver um personagem icônico e redefinir sua história ainda se apresenta como uma experiência aquém das expectativas. O teaser nos créditos finais é vago e genérico, como se os responsáveis pela produção hesitassem em se comprometer com um enredo que, mais uma vez, pode ser forçado a se adaptar ou mudar. A promessa é clara: algo está por vir. Mas, a grande questão permanece: será que isso trará uma renovação na confiança nesse experimento interminavelmente serializado?
Capitão América: Admirável Mundo Novo está em cartaz no Arcoplex Cinemas do Shopping do Vale.
