Envelhecimento populacional acelerado no Rio Grande do Sul demanda políticas e estratégias

Pesquisadora, enfermeira e docente no Senac Gravataí ressalta importância de formação especializada e políticas públicas para garantir um envelhecimento saudável e ativo

Recentemente, um estudo divulgado pelo Governo do Rio Grande do Sul revelou dados significativos sobre o envelhecimento da população no estado. Entre os anos de 2010 e 2021, o índice que mede o envelhecimento apresentou um crescimento de 74%. Essa tendência é um reflexo das transformações demográficas e impacta diversos setores, desde a saúde até a economia. Esse contexto revisita a necessidade de políticas e estratégias que possam lidar com os desafios e oportunidades decorrentes do envelhecimento populacional acelerado.

De acordo com a pesquisadora, enfermeira, mestranda em gerontologia pela Universidade Europeia do Atlântico (Espanha), e docente no Senac Gravataí Angela Carla Pothin, o envelhecimento populacional é resultado do aumento da expectativa de vida e da redução nas taxas de natalidade. “Nas últimas décadas, as famílias passaram a ter menos filhos, o que reflete em um número menor de crianças em comparação aos idosos. A expectativa é de que, em 2050, haja 170 idosos para cada 100 crianças, enquanto atualmente essa proporção é de 25 idosos para cada 100 crianças”, explica.

O ciclo de vida do indivíduo consiste, para grande maioria, em: infância, estudos, trabalho e aposentadoria. Nesse panorama, se imagina que na aposentadoria se viverá mais tempo, mas com a qualidade de vida que essa faixa etária pode proporcionar, como investir em uma nova carreira, ou em um “passatempo”. “A maioria dos problemas de saúde das pessoas mais velhas é associada a condições crônicas evitáveis com comportamentos saudáveis durante o decorrer de sua vida, assim como pode haver pessoas mais velhas que aos 80 anos tem capacidade física e mental comparável a outra de 20 anos. Há pessoas com 60 anos que necessitam de ajuda para realizar as tarefas mais simples”, exemplifica.

Diante desse contexto, Angela afirma que é necessário promover uma formação especializada em saúde do idoso, a fim de atender às demandas dessa parcela da população. “É fundamental garantir uma boa qualidade de vida na terceira idade, pois o aumento da longevidade não deve ser acompanhado por um declínio na saúde física e mental”, pontua.

Avanços tecnológicos e abordagens preventivas

No sentido de promover um envelhecimento saudável e ativo, é fundamental incentivar pesquisas científicas e investir na formação de profissionais capacitados para o cuidado dos idosos. “Isso envolve o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, estratégias de prevenção de doenças e aprimoramento dos cuidados geriátricos. Além disso, é necessário fomentar a criação de políticas públicas que estimulem a formação de uma força de trabalho assistencial qualificada, capaz de atender às necessidades específicas dos idosos e promover uma melhor qualidade de vida durante o processo de envelhecimento”, destaca Angela.

Considerando a importância de garantir um ambiente adequado e favorável aos idosos, a docente afirma que é preciso repensar as cidades para torná-las amigas dos idosos. Isso implica em projetar espaços públicos acessíveis, com infraestrutura adequada, transporte adaptado, calçadas seguras e inclusivas, além de promover atividades sociais e culturais voltadas para essa faixa etária. “Isso contribui para que eles possam se manter ativos, independentes e participativos na sociedade, promovendo uma melhor qualidade de vida e bem-estar”, enfatiza.

Embora a tecnologia tenha avançado significativamente no cuidado com os idosos em alguns países, é importante ressaltar que, no contexto brasileiro, ainda há um longo caminho a percorrer nesse sentido. Apesar de existirem dispositivos interativos e até mesmo robôs desenvolvidos para auxiliar no cuidado dos idosos, sua disponibilidade e acessibilidade são limitadas.

Ignorar as necessidades e preocupações das pessoas idosas pode ter implicações graves em sua saúde física e mental, assim como em sua qualidade de vida em geral. “Ao estereotipar a velhice e perpetuar preconceitos, como a ideia de que os idosos são frágeis, incapazes e dependentes, estamos limitando suas possibilidades e desvalorizando seu potencial”, aponta Angela.

Muitas vezes há diagnósticos equivocados quando surgem sinais de doenças relacionadas à velhice, como a demência senil, e a falta desse diagnóstico precoce contribui para perdas cognitivas desnecessárias. “É crucial que o sistema de saúde introduza exames cerebrais anuais para maiores de 50 anos, visando promover a prevenção e identificação de riscos à saúde”, alerta a docente.

Além disso, a pesquisadora afirma que os governantes e a sociedade devem se preparar para a crescente demanda de serviços decorrente do envelhecimento da população, desenvolvendo planejamentos de cuidados e suporte conforme as diretrizes recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “A falta de qualificação profissional e treinamento adequado para os cuidadores também é uma preocupação, pois isso afeta a qualidade e a segurança dos cuidados prestados aos idosos. É necessário questionar por que os cuidadores não estão recebendo a formação necessária para lidar com os desafios do envelhecimento e garantir um futuro de cuidados adequados para os idosos”, argumenta.

O ser idoso: uma construção social

No mundo contemporâneo, o conceito de idoso vai além da mera contagem de anos vividos. É uma construção social complexa que envolve diferentes perspectivas, incluindo a cronológica, biológica e subjetiva. Como docente e pesquisadora na área de gerontologia, Angela tem se dedicado a explorar essas questões e promover uma compreensão mais abrangente do envelhecimento.

Um dos aspectos abordados é a discrepância entre a idade percebida e a idade real. Segundo ela, existe uma tendência cultural e psicológica de percebermos as pessoas como mais velhas ou mais jovens do que realmente são. Essa distorção pode ser influenciada por fatores como a cultura do país, experiências de vida e estereótipos negativos associados aos idosos.

Nesse sentido, é importante ressaltar que as mulheres idosas enfrentam desafios específicos em relação à forma como a sociedade lida com a idade. De acordo com Angela, existe uma clara disparidade de gênero nesse contexto. As mulheres são frequentemente tratadas de maneira diferente dos homens quando se trata de envelhecer. “Falta a presença de modelos positivos de mulheres idosas, o que reforça estereótipos negativos e limita as possibilidades de vivenciar o envelhecimento de forma significativa”, explica a docente. Outro fato alarmante é a violência enfrentada pelas mulheres idosas, tanto física quanto emocional. “É essencial reconhecer essa realidade e trabalhar em direção a uma sociedade que trate as mulheres idosas com respeito e as reconheça como adultos com voz e experiências valiosas”, argumenta Angela.

O culto à beleza e os estereótipos

O culto à beleza também desempenha um papel significativo na perpetuação de estereótipos relacionados aos idosos. A pressão para parecer jovem pode ser avassaladora e pode afetar negativamente a autoestima e a autoimagem dos idosos. “É fundamental promover um estilo de vida saudável e encorajar o bem-estar em seu próprio corpo, independentemente da idade”, salienta Angela.

Outro aspecto que a docente aponta é que não se pode ignorar a discriminação enfrentada pelos idosos LGBTQIA+. “É necessário que os profissionais de saúde estejam preparados para lidar com as necessidades específicas dessa população e a sociedade na totalidade se torne mais inclusiva e acolhedora”, reforça.

O etarismo – discriminação baseada na idade

O etarismo, forma de discriminação baseada na idade, é uma realidade preocupante. Os idosos enfrentam desafios no mercado de trabalho e são afetados por políticas discriminatórias. “O estigma associado à demência merece uma atenção especial. É imprescindível oferecer tratamento adequado e promover a conscientização sobre a importância do respeito e da inclusão”, aponta a docente.

Por fim, Angela reforça que é fundamental discutir as políticas de saúde para idosos. “Abordagens multidisciplinares, cuidados de saúde aprimorados, reabilitação e cuidados de fim de vida de qualidade são elementos essenciais para garantir um envelhecimento saudável e digno”, finaliza.