‘Silvio’ é sobre Senor — em vez de Silvio!

Cinebiografia do maior comunicador da história da televisão brasileira, em vez de contar sua história, rebaixa sua trajetória de vida em flashbacks

Rodrigo Faro em 'Silvio', cinebiografia de Silvio Santos

Silvio, dirigido por Marcelo Antunez, oferece um olhar inesperado e controverso sobre a vida de Silvio Santos, considerado maior comunicador da televisão brasileira. Ao contrário do que muitos poderiam imaginar, o filme se desvia dos marcos mais amplamente conhecidos da trajetória de Silvio — sua ascensão de camelô a magnata da tevê — e se concentra em um episódio específico e traumático: o sequestro que ele sofreu em 2001. A escolha narrativa é de certa forma surpreendente, pois, em vez de explorar a jornada extraordinária de um ícone nacional, o longa opta por dissecar um momento vulnerável de sua vida pessoal.

Rodrigo Faro, o ator escolhido para interpretar Silvio Santos, talvez não tenha uma semelhança física evidente com o apresentador, o que gerou curiosidade e alguma hesitação por parte do público. Mas a escolha de Faro parece ir além da aparência. O ator foi escalado mais por sua habilidade em transmitir a resiliência, o carisma e o espírito empreendedor de Silvio. A atuação de Faro é uma tentativa de capturar a essência de alguém tão mitológico no imaginário popular brasileiro, ainda que seja um grande desafio de sua carreira tentar corresponder às expectativas que envolvem um personagem tão lendário.

O filme, no entanto, promete mais do que entrega, especialmente para aqueles que esperavam um épico que retratasse a trajetória de sucesso de Silvio Santos de uma forma grandiosa à la brasileira. Em vez disso, a narrativa se desenrola principalmente em torno de sua vida privada e das consequências emocionais do sequestro.

Enquanto muitos esperam uma celebração de sua ascensão profissional, Silvio escolhe um caminho mais introspectivo e pessoal, abordando o impacto do acontecimento traumático em sua vida familiar. A escolha de explorar a casa de Silvio como palco central da trama — com cenas de clima aparentemente calmo e rotineiro — busca aproximar o espectador da pessoa por trás do mito, mas a execução se revela limitada. A abordagem simplista, que deixa de lado os aspectos mais profundos e intrigantes da personalidade e da trajetória de Silvio, frustra aqueles que buscam um mergulho mais intenso na complexidade de sua figura.

Em meio a uma onda de escolhas retrô diferentes, há um ponto interessante na maneira como o filme construiu sua narrativa. Durante a primeira metade, a história de Senor Abravanel se desenrola de forma mais privada, e o foco é menos no “Silvio” que o público conhece, mas no “Senor”, o jovem sonhador, o camelô que veio para São Paulo sem nenhum tostão — o homem por trás do mito.

A partir de uma série de flashbacks, vemos o jovem Senor (interpretado por Vinicius Albanez Ricci) e sua trajetória até se tornar locutor na Rádio Guanabara. Esses momentos revelam alguns detalhes de sua vida familiar, permeada por dificuldades financeiras e desentendimentos, mas também pela persistência e determinação que definiriam o futuro empresário. São esses flashbacks que a complexidade de Silvio é mais explorada — sua honestidade, sua ambição, mas também suas reclamações e erros ao longo do caminho.

Os flashbacks revelam uma visão mais profunda de sua vida, resgatando partes fundamentais de sua trajetória que o levaram ao sucesso. Eles são, de certa forma, o alicerce emocional do filme, onde o público pode se conectar mais com o lado humano do apresentador. É nesses momentos que o filme tenta equilibrar a figura pública com o ser humano imperfeito, alguém que carrega tantas vitórias quanto pesares. Aqui, vemos um Silvio mais próximo, lidando com erros e revelando sua vulnerabilidade, algo que raramente é associado à sua imagem pública fortemente controlada.

O filme falha em capturar o que muitos esperavam de uma cinebiografia sobre Silvio Santos: um retrato épico de sua carreira de sucesso e do impacto que ele teve na cultura e na televisão brasileira. A decisão de focar em um episódio tão específico e dramático de sua vida pessoal pode ser interpretada como uma tentativa de mostrar o lado vulnerável de um ícone, mas acaba deixando a sensação de que algo maior ficou de fora. A grandiosidade de sua trajetória — sua inovação, seu empreendedorismo visionário e a maneira como construiu um império — recebe menos atenção do que o esperado.

Tudo o que você espera sobre um filme que homenageia o legado de Silvio Santos é que ele ofereça uma nostalgia sobre quem ele realmente é, com uma abordagem distinta, mas que pode não agradar plenamente aqueles que buscavam um retrato mais abrangente e celebrativo do empresário. O filme tem o mérito de trazer à tona aspectos mais íntimos da vida do apresentador, mas o faz de forma menos marcante do que sua lenda mereceria. Para quem espera uma narrativa épica sobre o maior comunicador do país, a experiência pode parecer incompleta.

Para quem se interessa por uma versão mais introspectiva e humana de Silvio Santos, o filme oferece um olhar diferente da série O Rei da TV, onde o lado dos negócios sobressaiu sob o lado humano e humilde do comunicador. Mas Silvio, cujo lançamento se dá após a despedida do Brasil ao maior comunicador da história da televisão brasileira, não é o retrato definitivo de sua trajetória complexa.

Silvio está em cartaz no Arcoplex Cinemas do Shopping do Vale.