Oscar 2025: ‘Anora’ rouba a cena e ‘Ainda Estou Aqui’ coloca o Brasil na história

A cerimonia que ocorreu ontem (2), Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, venceu na categoria de Melhor Filme Internacional

Cerimônia aconteceu no domingo (2). ©️ Patrick T. Fallon/AFP

Este foi o Oscar mais marcante e, ao mesmo tempo, mais brutal. Mas, se olharmos pelo lado positivo, a 97ª edição foi um verdadeiro marco para o Brasil. Calma, vou chegar em Ainda Estou Aqui já, mas antes, vamos ao que aconteceu na noite. Adrien Brody fez um único e longo discurso, e Conan O’Brien, o comediante e apresentador, brilhou. Havia apenas uma referência à “magia da narrativa”, e Cynthia Erivo cantou ao lado de Ariana Grande. Um filme independente chamado Anora foi o grande destaque, mas, no geral, a noite foi uma verdadeira celebração do cinema e das pessoas apaixonadas por essa magia das grandes telas — exceto quando Brody estava discursando.

Conan apresentou pela primeira vez e, ao contrário de outros apresentadores recentes, parecia pouco preocupado com as possíveis polêmicas. E isso foi ótimo, já que os Oscars, nas edições mais recentes, têm sofrido com as opiniões políticas dos apresentadores. Era previsível que os bombeiros de Los Angeles seriam ovacionados, mas Conan fez uma reviravolta brilhante, fazendo piadas mordazes, como quando um deles disse: “Todos os nossos corações estão com aqueles que perderam suas casas. E estou falando dos produtores de Joker 2”.

O apresentador zombou da cerimônia de uma maneira que a tornou mais afiada do que seu monólogo, começando com sua apresentação como “quatro vezes espectador do Oscar Conan O’Brien”. Como ele mesmo disse, “Um Completo Desconhecido, A Verdadeira Dor, Nosferatu — esses são apenas alguns dos nomes pelos quais fui chamado no tapete vermelho”. Ele, como uma estrela que não deve nada a Hollywood, flutuou entre piadas de impacto e falas que falharam sem nem se dar conta, mantendo o público alerta. “Anora usa a palavra ‘p****’ 479 vezes”, brincou ele. “São três a mais do que o recorde estabelecido pelo publicitário Karla Sofía Gascón.”

Brody, o vencedor de Melhor Ator, fez um discurso longuíssimo — ainda mais longo que o próprio filme em que atuou. Foi o primeiro a agradecer a Deus por torná-lo tão incrível. Ele, surpreendentemente, demorou até o quinto minuto para mencionar o Holocausto, o que, considerando o tema de seu filme, foi uma omissão impressionante. Como um conhecedor de discursos ruins do Oscar, fiquei chocado, especialmente quando ele pediu para todos: “Vamos lutar pelo que é certo!”

Timothée Chalamet foi um dos não-vencedores mais visivelmente desapontados da história do Oscar. Foi quase tão evidente quanto a decepção de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction. No entanto, Chalamet não pareceu tão irritado, talvez por ter sido literalmente ‘roubado’ pelo desempenho de Brody em O Pianista. Quando Emma Stone abriu o envelope e leu o nome de Brody, a cena parecia previsível, já que o ator estava competindo com um vencedor anterior da Academia. O Brutalista, apesar de sua atuação impressionante, não foi suficiente para superar Brody.

Um erro gritante, em minha opinião, foi a perda de Demi Moore para A Substância na categoria de Melhor Atriz. O filme de Coralie Fargeat claramente traz uma crítica ao etarismo, e esse ponto foi confirmado quando Mikey Madison, de Anora, levou o prêmio de Melhor Atriz. Não que Madison não merecesse — ela estava muito bem cotada, principalmente após sua vitória no BAFTA. No entanto, senti que Fernanda Torres, com seu papel poderoso em Ainda Estou Aqui, também estava na briga. A Academia, como sempre, costuma distribuir prêmios e esse parece ter sido um exemplo disso.

Quando Madison venceu, ela fez um discurso emocionante: “Quero reconhecer e homenagear novamente a comunidade das profissionais do sexo.” Um gesto gracioso, especialmente considerando que nenhum dos outros vencedores, como Emilia Pérez, mencionaram a comunidade trans ou o México. Curiosamente, Madison nasceu na mesma semana do Oscar de 1999, uma noite histórica em que Harvey Weinstein virou o jogo contra Spielberg — um fato que adiciona uma camada de drama à história dela.

Os organizadores do Oscar cometeram o erro de não exibir clipes dos primeiros prêmios de atuação. Em vez disso, escolheram mostrar vencedores anteriores fazendo discursos intermináveis. Isso foi tão mal recebido que abandonaram a ideia no meio da cerimônia, trazendo de volta os clipes para os grandes prêmios. Também estragaram o prêmio de Melhor Roteiro com clipes rápidos e sem diálogos significativos.

Kieran fez um discurso confuso, mas doce, sobre fertilizar os ovários de alguém querido, mas, pelo visto, sua esposa estava tranquila com isso. A noite também teve sua dose de drama com Zoe Saldaña, que recebeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante por Emília Pérez. Seu discurso, apaixonado e poderoso, a fez se autodenominar “uma orgulhosa filha de pais imigrantes”, além de dedicar o prêmio à sua avó e ao marido, com um toque carinhoso sobre seu cabelo.

A grande noite para o Brasil chegou quando Ainda Estou Aqui levou o prêmio de Melhor Filme Internacional. O Brasil parou. Enquanto o país vivia o Carnaval, todos estavam com os olhos fixos na tela. Quando o filme brasileiro foi anunciado como vencedor, a alegria foi indescritível. O país explodiu em emoção, com muitos chorando, berrando e pulando de felicidade. Em seu discurso, Salles dedicou o prêmio a Eunice Paiva, a mulher que resistiu a um regime autoritário, e a duas grandes atrizes brasileiras: Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.

A performance de Cynthia Erivo e Ariana Grande foi arrebatadora, com um medley de canções de O Mágico de Oz e Wicked que elevou a noite a um patamar de pura magia musical. Mas, por algum motivo, Timothée Chalamet, Monica Barbaro, Ed Norton e Elle Fanning não subiram para fazer uma homenagem à carreira de Dylan, deixando um grande vazio no evento.

A homenagem a James Bond foi uma verdadeira bagunça. Doja Cat tentou cantar “Diamonds Are Forever” e Lisa, do Blackpink, fez o mesmo com “Live and Let Die”. Mas o grande momento foi a dança de Margaret Qualley, que roubou a cena com suas habilidades de balé e uma atitude de diva que poderia muito bem a tornar a próxima 007.

Mick Jagger, com seu cachecol, roubou a cena ao apresentar o prêmio de Melhor Canção Original. Ele revelou que, inicialmente, Bob Dylan seria o apresentador, mas que ele recusou, dizendo que as melhores músicas do ano estavam no filme Um Completo Desconhecido. Isso deixou Mick Jagger com a missão, e ele fez questão de fazer piadas sobre isso.

Paul Tazewell fez história como o primeiro homem negro a ganhar o prêmio de Melhor Figurino, por Wicked, e Oprah Winfrey, junto com Whoopi Goldberg, prestou homenagem a Quincy Jones. Estranhamente, o tributo foi acompanhado por Queen Latifah cantando “Ease on Down the Road”, música que não foi escrita por Jones, mas que gerou uma curiosa reflexão sobre a indústria.

Morgan Freeman começou o segmento “In Memoriam” com uma homenagem pessoal a Gene Hackman, destacando a relação de respeito entre eles. A montagem foi respeitosa e tocante, sem apelações desnecessárias, e encerrou com a despedida de lendas como Kris Kristofferson, Donald Sutherland e David Lynch.

Para nós, brasileiros, essa foi uma madrugada inesquecível.