‘Nosferatu’: Remake de Robert Eggers do tão aclamado clássico de terror é tudo aquilo que esperávamos

Você encontrará nesta versão pessoal do cineasta-roteirista norte-americano tudo aquilo que já conhecemos em sua filmografia: suspense psicológico e um zelo em abordar o tempo como ele é

Lily-Rose Depp em 'Nosferatu'. © Aidan Monaghan/Focus Features

No meio do caminho entre Bram Stoker transformando um conto da Transilvânia em um monólito literário e Bela Lugosi encantando multidões com seu “Eu quero chupar seu sangue”, surgiu Nosferatu, a maldita “sinfonia de terror” de Murnau de 1922. O filme, que conta a história de um excêntrico lorde do leste europeu chamado Conde Orlok, tinha uma paixão não exatamente por vinho tinto, mas por Tipo O. Agora, você deve saber que isso não era só uma adaptação qualquer do Drácula de Stoker. Isso era um “não-oficial” apanhado de ideias que fez a família de Stoker ir à loucura e processar os produtores, exigindo que todas as cópias fossem queimadas, incineradas, e enterradas com alho em volta. As cópias não foram destruídas e, até hoje, Nosferatu é uma das mais profundas fontes de inspiração para o terror moderno. E se alguém ainda acha que vampiros são só esses seres sensuais de sotaque charmoso que se arrastam em boates góticas, basta dar uma olhada na cara de Max Schreck como o Conde Orlok.

Em 1979, quem mais senão o próprio Werner Herzog decidiu meter a mão e refazer a obra-prima de Murnau, estrelando Klaus Kinski como o vampiro careca de dentes afiados — um Conde Drácula com um toque de loucura que só Kinski poderia trazer. Herzog não quis saber de subterfúgios. E agora, temos Nosferatu de Robert Eggers — um pesadelo visceral com um toque de classe, tão fiel ao seu material original que você sente o peso da angústia e da decadência de cada frame. Mas Eggers pega esse clássico e o arrasta para sua própria realidade suja, uma besta grotesca que se recusa a se acomodar nas convenções de filmes “bonitinhos” de terror. Eggers coloca Nosferatu em sua própria máquina de desespero, esculpe a história de “homem encontra vampiro, tudo dá errado” com uma precisão que faria Murnau aplaudir — sem suavizar as arestas, sem tirar a sujeira, sem deixar nada macio ou polido. Não há tempo para ser sutil ou pretensioso. Talvez ninguém tenha pedido, mas o que você não pode negar é que Eggers é o nome apropriado para dar a essa geração o pesadelo que eles merecem.

O modelo de assassinato continua o mesmo, mas com um toque de maldição. Estamos em 1838, na Alemanha. O corretor imobiliário Thomas Hutter (Nicholas Hoult) é jogado em um caso sinistro por sua empresa, que o manda até um nobre obscuro que vive em um castelo perdido nas Montanhas dos Cárpatos. O conde, aparentemente à beira da morte, quer comprar uma casa na mesma cidade portuária. Como o velho está “com um pé na cova”, segundo o chefe de Hutter (Simon McBurney), o corretor tem que se aventurar até lá. Enquanto isso, Ellen (Lily Rose-Depp), esposa de Hutter, já sente que algo vai dar errado. A moça, que vive em estado constante de alerta, tem uns ataques que podem ou não ter alguma relação com um espírito que ela mesma pode ter invocado anos atrás. Mas, não se preocupe, porque seu irmão Friedrich (Aaron Taylor-Johnson) e sua esposa (Emma Corrin) vão ficar de olho nela enquanto Hutter se manda para o inferno.

Hutter conhece seu cliente, o Conde Orlok (Bill Skarsgard), e o encontro é uma viagem direta ao inferno de sua própria mente. Hutter, em um estado de nervos à flor da pele, não consegue entender direito o que está acontecendo. A voz do Conde soa como uma porta de cripta se fechando, e ele não pode deixar de notar as misteriosas marcas de mordida em seu peito na manhã seguinte. De repente, ele está sendo drenado de sangue e mal consegue manter os olhos abertos. Quando o barco finalmente chega à Alemanha, os ratos, como uma onda de terror disfarçada, invadem tudo, espalhando pavor e morte. Peste. Morte inexplicável. O cenário é um pesadelo em progresso, e ninguém parece saber o que fazer. Enquanto isso, o Conde, com suas mãos em forma de garras, põe os olhos em Ellen. Aqueles sussurros, aquelas vozes estranhas que ela ouve na calada da noite, é como se o barítono grave do Conde estivesse chamando por ela, como uma maldição que ninguém pode escapar.

O original foi um pesadelo repleto de estética expressionista, mergulhando numa escuridão imunda e bizarra. O retrato de Max Schreck virou quase uma lenda, com todo o mistério em torno da dúvida: era performance ou era pura loucura? E agora, Eggers usa a escuridão abissal, aquela negra, sufocante, onde as figuras brotam como espectros ou se arrastam como sombras em movimento, o tempo todo, como se a própria podridão do século XVIII quisesse engolir a tela. O design de produção é um pesadelo úmido, apodrecido, tudo abafado pelo peso da história, com aquela tensão visceral que parece sair do além. Os críticos adoram mencionar que Eggers é muito perfeccionista em relação ao tempo de seus filmes. Ele é acusado de ser mais um “viajante do tempo” do que um cineasta de verdade, mergulhando no passado até nos afogar. Nosferatu vai dar munição para quem o ataca, tentando, com todas as suas forças, enganar o espectador e levá-lo de volta a uma época macabra.

Assim como nos três filmes anteriores de Eggers — A Bruxa (2015), O Farol (2019) e O Homem do Norte (2021) — esses retrocessos todos têm um único propósito: a atmosfera. E essa reinterpretação insana de um conto antigo de um mal rastejante pelos oceanos tem a atmosfera de sobra, embora, de vez em quando, você se pergunte o que o escritor-diretor realmente quer dizer com tudo isso. A performance sobrenatural de Skarsgård traz uma vibe de Schreck, mas sem copiar diretamente aquele icônico momento de Nosferatu, com o monstro se erguendo sobre a tripulação do navio. E, para dar aquele toque único, Eggers coloca um bigode de Vlad, o Empalador, em Skarsgård. Depp, por outro lado… Ah, Depp. O cara não está interpretando um personagem, ele é mais uma encarnação da histeria feminina, uma performance de alta acrobacia, com tudo virando um espetáculo caótico.

Se você trabalha com filmes e sabe que tem alguém com os talentos e a profundidade da imaginação de Willem Dafoe, você deve estar provavelmente tonto, com os neurônios derretendo, ao escrever falas como “Eu vi coisas neste mundo que fariam Sir Isaac Newton rastejar de volta para o ventre de sua mãe”, sabendo, com um sorriso insano, que ele será a pessoa que vai cuspir essas palavras. Abençoado por interpretar o Professor Albin Eberhart von Franz — ou, como o chamam nessa versão, o Van Helsing de Eggers — Dafoe devora essa declaração como se fosse um banquete. E ele sabe exatamente o momento de segurar seu especialista em ocultismo, porque tudo ao redor dele está em frenesi, e a forma como Eggers o prepara para interpretar essas duas dinâmicas é a razão pela qual as colaborações deles são uma explosão criativa. Esse é o terceiro filme que eles fazem juntos, e ver Dafoe se jogando nesse papel com um entusiasmo quase maníaco é o suficiente para justificar o preço do ingresso.