M. Night Shyamalan entrega um thriller de reviravoltas em ‘Armadilha’, filme mais anti-Brat dos seriais killers

Josh Hartnett e Ariel Donoghue em 'Armadilha'. © Warner Bros Pictures

Um assassino psicopata está dentro de um show do tamanho de uma ‘Eras Tour’, então o cineasta indiano naturalizado norte-americano mistura o suspense com fortes ligações paternas doentias

Um pai leva a filha para o show de sua artista preferida, mas ao perceber que a polícia bloqueou todas as saídas da arena, sua paz terminou. A julgar pelo trailer que saiu em abril, o novo filme de M. Night Shyamalan é diferente por toda sua abordagem. O show é o verdadeiro palco da história. Esse pai supernerd interpretado por Josh Hartnett também pode ser uma pessoa misteriosa — e está aí o talento e aptidão do cineasta indiano em colocar em nossas cabeças uma desconfiança ainda maior para o protagonista de Hartnett.

Ainda que existam questionamentos pertinentes para fazer diante da ideia desta produção, Shyamalan consegue transmitir o mistério e o suspense característico em seus filmes anteriores, principalmente em seus melhores trabalhos, como O Sexto Sentido, de 1999, e Sinais, de 2002. Agora que seu novo audiovisual chegou, Armadilha é muito bem pensado, onde metade do filme acontece dentro de um ambiente totalmente concentrado por berros histéricos, iluminação e luzes de celular em um show imersivo de música pop.

O que é mais interessante é que ele usa a modernidade das performances pop como uma força para chamar cinéfilos mais novos. Não há como evitar as comparações entre a grandiosa Eras Tour de Taylor Swift ou no caso da própria artista fictícia do filme em questão, Lady Raven, uma Charli XCX das batidas atuais interpretada por Saleka Shyamalan, filha do cineasta. Há o imediatismo das redes e a histeria dessa nova fase musical que o próprio filme apresenta. Entre esses fatores estão os personagens, peças centrais de uma trama que Shyamalan os direciona conforme o ritmo comandado por ele. As técnicas de câmera — durante a performance, a cena corta para os policiais abordando os homens que foram ao show, que corta novamente para a expressão do nosso personagem — são um dos pontos mais fortes do filme.

Armadilha consegue conciliar um tema muito terno como o Dia dos Pais dentro de um thriller eletrizante. Ele começa de uma maneira simplista, vem pelas beiradas e lança a isca até conquistar a atenção espectador.  Também presumimos que um cineasta do naipe de Shyamalan tem várias outras surpresas reservadas se ele estiver dando grandes revelações, e podemos confirmar que há algo inesperado à espreita em cada parte da narrativa.

Também está cheio de lições para aspirantes a cineastas, apresentadores de podcasts sobre crimes reais e futuros assassinos em massa, supondo que eles possam parar de uivar para o que está acontecendo na grande tela para pegá-los. O Silêncio dos Inocentes teve Buffalo Bill, O Massacre da Serra Elétrica teve Leatherface, a vida real nos deu o Assassino do Zodíaco e Jack, o Estripador. Desta vez, o psicopata do filme é apelidado de “O Açougueiro” e, embora seja tecnicamente preciso, não é exatamente o apelido mais amigável ou memorável. As 12 vítimas que este assassino frio e cruel abandonou parecem ter sido fatiadas e cortadas.

Assistindo Armadilha, rapidamente fica claro que Cooper não é apenas um pai muito doce, tolerando corajosamente o gosto da filha por músicas pop. Ele parece terrivelmente desconfiado do número de policiais presentes e continua agindo de forma esquisita sempre que ele e Riley (Ariel Donoghue) saem de seus assentos. As equipes da SWAT que se aglomeram do lado de fora do local também o fazem parar.

Quando ele faz Riley dar a última camiseta para outra fã, o atendente que trabalha na mesa de produtos o elogia por ser tão legal e promete separar uma camiseta para Riley quando eles conseguirem mais. Seu nome é Jamie (Jonathan Langdon). Ele sabe o que está acontecendo lá fora, o motivo dos policiais estarem lá e como a coisa toda é meio que uma armação. Jamie deixa esse estranho aleatório acompanhá-lo até um depósito exclusivo para funcionários e conta a ele a senha secreta dessa operação especial, tudo isso enquanto seu distintivo é roubado.

Não quero estragar o terceiro ato de cair o queixo, mas Cooper eventualmente fará seu monólogo de Norman Bates no final de Psicose na frente de um ente querido, e ele visivelmente tirará sua camisa para concluir a ação. Presumimos que ele está parcialmente despido para não sujar sua camisa de botão com sangue. Também nos perguntamos imediatamente como o ator de 46 anos manteve um corpo de pai de primeira qualidade e se seu personal trainer está aceitando novos clientes. É interessante que Hartnett, que estava sendo preparado para ser o próximo grande protagonista de Hollywood no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, esteja iluminado em sua atuação impressionante.

Ele é a melhor parte do filme, totalmente comprometido em deixar seu desviante interior empunhando um cutelo, enquanto M. Night o dirige dentro de um personagem com problemas maternos e uma personalidade múltipla. Hartnett deixa você ver esse monstro se desintegrar diante dos seus olhos. Enquanto os atos se desenvolvem, percebemos um personagem friamente psicopata, agindo com tamanha inteligência e uma brutalidade quase silenciosa para conseguir o que quer, mesmo que isso signifique usar sua filha para não ser pego pela polícia.

É interessante assistir Armadilha, um filme com a identidade de M. Night Shyamalan. Em sua filmografia, ele passeou por várias pautas, desde o terror até a presença de OVNIs, e agora ele se usa da cultura da música pop para fazer um thriller com muitas — até demais — reviravoltas. A quantidade de viradas de jogo pode deixar você desnorteando, mas você não pode negar que isso é típico de um filme dele.

Armadilha está disponível no Arcoplex Cinemas do Shopping do Vale.