Os filmes de terror são constantemente atualizados com novos formatos e abordagens diferentes. As filmagens em found footage (nomeados popularmente como Filmes Perdidos) nunca foram tão utilizadas em um filme de terror como Entrevista com o Demônio, uma rara apresentação que talvez pudesse torcer o nariz, mas em vez disso, surpreendeu a muitos. Não é a primeira vez que assistimos a formatos semelhantes como este: embora o gênero tenha surgido em meados dos anos 1980, a expressão se popularizou com A Bruxa de Blair em 1999. Na entrada da década de 2000, muitas pessoas tiveram náuseas ao ver esse tipo de narrativa, atrelada a uma história documental, por vezes confundido entre ficção e realidade. Ainda assim, muita gente saiu atormentada dos cinemas, principalmente quando o lado documental se une à histeria religiosa do satanismo, fatores estes que sempre vieram com a América desde sua fundação.
É na esteira dessa insistência que a dupla de diretores Colin e Cameron Cairnes acrescenta mais uma particularidade: os cenários dos programas de auditório. Entrevista com o Demônio apresenta um estilo interessante de ser visto. Tudo começa com uma introdução que apresenta um “novo talento” para a televisão de sua época. Agora estamos no período setentista da América, que está vivendo uma ebulição política sem precedentes. Diante de todo esse caos, está a grande luta das grandes emissoras do consórcio pela audiência. E para ter os maiores pontos de audiência, certamente teremos pautas sensacionalistas. Então, preste atenção para assistir a uma história envolvendo televisão, briga por audiência e um mistério envolvendo nosso personagem. Isso é usado com grande inteligência e sagacidade, o que ajuda na profundidade ao desenvolver a história. Além disso, aqui está o nosso personagem principal, a estrela da noite chamada Jack Delroy.
Interpretado por David Dastmalchian, Delroy tem o charme e o carisma para ser um brilhante apresentador de televisão. Ele assinou com a UBC para a realização diária de um programa no horário nobre para competir com The Tonight Show Starring Johnny Carson: Night Owls. Em sua vida privada, Delroy mora na cidade de Nova York, o que facilita para fazer visitas regulares ao “The Grove”, um acampamento de elite da Califórnia para todos da classe rica e poderosa dos Estados Unidos. (Notoriamente, essa inspiração veio de uma teoria da conspiração há muito tempo inventada de que a classe política se reunia em um acampamento isolado chamado Bohemian Grove, para realização de rituais secretos). Depois que sua esposa Madeleine (Georgina Haig) morre de câncer, seu programa é interrompido por semanas, devido ao desaparecimento de seu apresentador. Você não acharia estranho isso acontecer?
Jack retorna ao holofote do programa, e para aumentar as baixas classificações do programa, que tem sofrido durante este período, ele realiza um episódio especial com um tema ocultista no Halloween. Imagine para você o que era assistir a um programa especial de Halloween no horário noturno, diante de diversas notícias sensacionalistas envolvendo casos de satanismo e rituais macabros envolvendo sangue derramado de crianças — o que não é fácil para um americano nos anos 1970. Os convidados especiais para o episódio incluem o autoproclamado psíquico e médium Christou (Fayssal Bazzi), o cético e ex-mágico Carmichael Haig (Ian Bliss), a autora parapsicóloga June Ross-Mitchell (Laura Gordon) e o último assunto de June, Lilly D’Abo (Ingrid Torelli), de 14 anos, e principal destaque da pauta deste programa. Na verdade, o mistério por trás do desaparecimento de Delroy, somado com a descoberta de uma investigação relacionada a uma seita na qual Lilly participava, é o que deixa o clima de mistério em aberto.
O estúdio do programa fictício é o local onde o sobrenatural e a ação funcionam. A ideia principal de Entrevista com o Demônio é que o espectador se sinta na década setentista assistindo a um programa de época, com todas as técnicas de filmagens relacionadas àquele período especificamente. Aplausos para os dois cineastas, que acertaram no formato documental do Night Owl, principalmente em formato 13:7 — para que sentíssemos como um espectador desta época — e em preto e branco, para representar os bastidores e todos os problemas que levaram aos acontecimentos macabros da história. Nada como o ceticismo para tentar equilibrar as questões sobrenaturais, e é na figura do ex-mágico interpretado por Bliss, onde ele questiona as ações bizarras de Lilly. Quanto à Lilly, Torelli entrega uma imprevisibilidade para a personagem possessa que consegue transmitir a você uma carga de tensão interessante, e para um filme de terror, isso é essencial.
É uma alta carga de tensão, principalmente quando você está sentado no auditório. Você simplesmente não espera que uma entidade sobrenatural tome conta desse espaço. O que aumenta, além disso, é a revelação da verdade sobre o nosso personagem principal — o que, de certa forma, não tenha me surpreendido, mas ajuda na conclusão do arco narrativo — e mais problemas técnicos televisivos acontecendo, misturando alucinações, confundindo o que realmente aconteceu com mais acontecimentos sendo revelados. Importante é você saber como usar os recursos para contar uma boa história, e diante de tantos filmes ruins explorados por este estilo, este é a exceção. Diante desta catarse televisiva, entretanto, Entrevista com o Demônio é um atrativo interessante, principalmente se você acompanha filmes desse gênero. Na verdade, é tão retrô para quem gosta, que provavelmente fará você sair satisfeito do cinema.