‘Back to Black’ traz Amy Winehouse em uma cinebiografia com notas desafinadas

Diretora Sam Taylor-Johnson adapta o filme da jovem cantora britânica, reduzindo sua vida à metade de um romance dramático ruim

Imagine por um segundo o que foi ouvir as músicas de Amy Winehouse, ou acompanhar um talento da música britânica trazer um mundo vintage do jazz, ajudando na ressurreição do próprio gênero no século 21. Winehouse foi uma vela ao vento e ninguém a compreendia. Talvez isso fizesse parte da genialidade e da sua música, que soava tão viva e sagaz. Ela teve pouco tempo de carreira, mas sua trajetória no cenário musical foi o mais intenso e vertiginoso que qualquer outro artista já teve. Ela é comparada com artistas cuja chama levou direto ao túmulo. Jim Morrison, Jimi Hendrix, Janis Joplin — artistas que não conseguiram lidar com a fama e foram engolidos por ela através de sua fuga incessante nas bebidas e nas drogas. Ajuda muito na consolidação de sua imagem como uma lenda da música contemporânea e uma das vozes mais poderosas da história da música em toda sua existência.

Winehouse poderia ter sido qualquer jovem que cresceu na Inglaterra noventista — rodeada de amigos, bebendo cerveja, se metendo em encrencas e fazendo um piercing no nariz. Foi quando ela decidiu abrir a boca, quando ela aparentemente foi possuída por uma cantora de jazz dos anos 1940 que canalizava luxúria e tristeza centenárias. Ela passou de uma criança com um lamento de blues que quase parecia um truque de salão indomável. Não demorou muito tempo para que ela se tornasse uma vencedora do Grammy, caindo na mira dos paparazzis e última vítima do chamado “Clube dos 27” em seu portfólio. Tudo que ela sempre desejou, segundo suas próprias palavras, era ser lembrada por sua versão de um som clássico: “Eu só quero que as pessoas ouçam minha voz e esqueçam seus problemas por cinco anos”.

É o que ouvimos quando assistimos as cenas iniciais de Back to Black, a cinebiografia que tenta trazê-la de volta aos debates públicos da qual ela nunca saiu. Faz parte de uma narração que a levou para a escola da qual nunca foi expulsa. Winehouse está correndo, e eventualmente descobrimos que a mulher com penteado em forma de colmeia parece estar feliz não por causa de onde ela está indo, mas por quem a espera no final dessa corrida. O longa não quer ser uma pira funerária, mas um romance trágico, apresentando Amy através do prisma do amor louco que a colocou em parafuso e alimentou seu segundo álbum que se tornou um clássico. Compreenderemos melhor a pessoa por trás daquela voz, o que de certa forma fará com que você, de fato, esqueça os seus problemas. Assistindo a essa espécie de drama, veremos alguém loucamente apaixonado, com o coração partido, autodestrutivo, se deteriorando publicamente, orgulhosamente bêbada com vodca e com o perfume de seu homem, gritando para o mundo e, eventualmente, se livrando dele. Em Back to Black, a diretora Sam Taylor-Johnson foi exageradamente generosa para lembrar que o mundo dela sempre foi a música.

O longa tenta ser ao mesmo tempo uma história biográfica de música que volta ao básico, com um momento inicial de quem começa a sonhar em ser uma artista. Em seguida vem o sucesso, contratempos e uma ascensão semelhante a uma fênix antes da eventual queda — e um olhar mais corajoso, menos glamouroso e mais complexo de uma artista que viveu suas canções não com sabedoria, mas com muita intensidade. O fato de o filme não ser triunfante em nenhum dos aspectos não é exatamente surpreendente, principalmente porque a história entra em total desacordo — principalmente com seu tema e em relação a si mesmo. Mas a nossa protagonista, interpretada por Marisa Abela, desfrutando da atenção de seu pai, Mitch (Eddie Marsan) e sua avó Cynthia (Lesley Manville), toca em pubs e clubes de jazz, irrita um namorado através das letras de suas músicas, é fã de Sarah Vaughn e Lauryn Hill.

É unanimidade pensar que o álbum de mesmo nome, lançado em 2006, é um marco da história da música. Está exatamente sob o mesmo tamanho de influência. O filme fala da boca para fora sobre os demônios pessoais e o desejo da cantora de ser mãe, seu comportamento agressivo quando se trata de defender suas próprias músicas e a sua necessidade de habitá-los emocionalmente, independentemente do estado que estiver o seu coração. É quando aparece Blake Fielder-Civil no enredo do filme, que o ponto central da história começa a perder o controle, e a gravação da faixa que dá o título ao filme é reduzida a uma montagem intercalada com sequências do enterro de sua avó. Algo está muito errado aqui, principalmente quando é rodado e em algum momento você esquece que não está acontecendo nada de especial. É como se você estivesse preparado para um filme sobre a Amy Winehouse e não estivesse vendo um filme com a alma da cantora britânica. Sua música está aqui, mas de alguma forma soa distante da captura de imagens que é essencial em um longa-metragem.

Desde que Bohemian Rhapsody, cinebiografia do Queen, deu início a uma nova corrida de premiações nas histórias de sucesso de artistas com discos de ouro, criticar sequências genéricas de concertos e epifanias em cabines de gravação por serem clichês se tornou na crítica de fato ao gênero. É clichê, mas pelo menos dava através de sua música a motivação de ir ao cinema assistir a uma cinebiografia musical. Quando nos referimos a Back to Black, poderíamos pedir por mais Winehouse no palco, cantando músicas com alma, para equilibrar os ataques dos paparazzis dentro do filme. A impressão que temos é que o filme parece envergonhado por ter que ceder os holofotes a ela. Há apenas o sofrimento de Winehouse, exposto aqui mais do que deveria ser exposto. Em vez disso, falta a nostalgia por sua música, pela encenação de performances lendárias que ela já deu. É um filme musical com notas desafinadas.