36 anos do Guajuviras: conheça a história de luta por dignidade do bairro mais populoso de Canoas

A data de 17 de abril de 1987 marca o início da ocupação do conjunto habitacional, que transformou a vida de milhares de pessoas

Escolas, unidades de saúde, Unidade de Pronto Atendimento (UPA), praças, pavimentação, transporte público e muito mais. A lista de estruturas e serviços públicos que estão disponíveis hoje à comunidade do bairro Guajuviras marcam a evolução de uma ocupação marcada por muita luta e resiliência.

Já são 36 anos de bairro Guajuviras, uma região que surgiu da necessidade social por moradia. Para compreender o que houve no passado, é necessário trazer alguns elementos sociais e econômicos daquela época. Em 1972, a área foi desapropriada pelo governo do Estado. Em 1979, a Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul (Cohab) aprovou junto ao município o projeto do conjunto habitacional Ildo Meneghetti e iniciou as obras de 6.400 moradias. Já em 1984, a Cohab tentou passar as obras à Prefeitura, que não assumiu a responsabilidade.

A partir daí as coisas não passam a funcionar. Nesse período, há o fim do regime militar no Brasil. A economia decolou em uma era sombria de inflação que consumiu o poder de compra dos trabalhadores. Os recursos públicos não davam conta de financiar as grandes obras e entre elas estavam os conjuntos habitacionais do Guajuviras e Rubem Berta, em Porto Alegre. Em 1986, as construções já sofriam a ação das intempéries e, abandonadas, viam o país submergir ao fracasso do Plano Cruzado e do fechamento do Banco Nacional de Habitação (BNH) – que poderia subsidiar os recursos para conclusão das obras.

O cenário nacional se refletia em Canoas. O projeto de construção de mais de seis mil moradias entre casas e apartamentos sucumbiu com a má gestão pública e ainda com a falta de leis que garantissem o cumprimento dos contratos. As obras passaram por quatro construtoras que decretaram falência durante o período, sem sofrer nenhuma penalidade. A Cohab havia cadastrado os pretendentes das novas moradias, mas a entrega parecia cada vez mais distante.

Foi que em 1987, o país enfrentou o desabastecimento. Após o Plano Cruzado, a inflação superava os 250% ao ano. E, em Canoas, havia grande déficit de moradias, enquanto um conjunto habitacional abandonado e inacabado demonstrava o desperdício do dinheiro público, em uma cidade industrial que disponibiliza empregos, mas não casas para seus trabalhadores.

Os movimentos sociais estavam organizados e as demandas por habitação estavam na pauta das reivindicações. Populares já planejavam uma ocupação. Houve reuniões e a organização culminou em um domingo de Páscoa, no dia 17 de abril de 1987, ocupando 5.924 moradias que já estavam em construção. E, a partir dessa data, começa a luta por dignidade de milhares de canoenses, que entraram para a história ao produzirem a maior ocupação popular de Canoas e do Sul do Brasil.

A ocupação

Era cedo, ainda pela manhã, e começou a chegar gente por todos os lados. O mestre de obras, Osvaldo de Souza Filho, que na época tinha 31 anos, lembra que a ocupação deveria ter ocorrido no dia 15, na sexta-feira Santa, mas ficou para o Domingo de Páscoa. “Eram pessoas chegando de ônibus, a pé, de todos os jeitos. A entrada foi fácil, pois só havia as guaritas dos vigilantes das empreiteiras, era tudo cercado com arame farpado, mas isso foi fácil atravessar”, lembrou.

Ele conta que foram entre 1.000 e 1.200 pessoas que entraram no primeiro grupo de ocupação. Mas no meio da tarde daquele domingo a Brigada Militar chegou e cercou todos os arredores do loteamento. “Foram vários batalhões que vieram para vigiar, eram muitos policiais. Veio uma ordem de uma autoridade, que não era para ninguém mais entrar, e quem saísse não poderia voltar. Aí o pessoal entrava na madrugada e quem ocupava uma casa, deixava uma vela acessa para sinalizar que o local já tinha dono”.

Do tempo da ocupação, Osvaldo ficou conhecido como o chaveiro. Por trabalhar em obras e conhecer fechaduras, ele tinha as ferramentas para estourar os miolos das fechaduras. “No início, o pessoal arrombava portas e janelas de qualquer jeito, e acabavam estragando as aberturas. Com os alicates de pressão, eu estourava só os cilindros das fechaduras e eram fáceis de trocar. Não tinha hora, todos me chamavam para abrir portas. Perdi as contas de quantas abri”, revelou.

Outro agravante para os novos residentes é que não havia água encanada e energia elétrica e com a situação irregular não havia esperança de conseguir esse abastecimento. Osvaldo lembra que foi após um mês e meio que conseguiram uma mangueira com água. “Como já havia passado um tempo, os brigadianos estavam mais solidários com a gente e fizeram vista grossa. Conseguimos fazer um ‘gato’ de água, que passamos noites cavando para ter uma mangueira no meio do loteamento, e foi aí que o pessoal começou a pegar água”.

“A casa que eu entrei estava ocupada como depósito de materiais e não estava pronta. Aos poucos fui arrumando e deixando tudo em ordem para eu trazer a família. Nós morávamos em uma casa alugada em um sítio. Era eu, minha esposa e dois filhos pequenos. A esposa me cobrava muito para termos a nossa casa própria para criar os filhos. Pagar aluguel naquele tempo era muito caro. Conseguir aquela casa no Guajuviras transformou nossas vidas para melhor. Minha filha mora nesta casa até hoje”.

Osvaldo ainda recorda que apareceram muitos oportunistas querendo comprar e vender imóveis e que os organizadores da ocupação não deixaram ocorrer, quando sabiam de casos. “Havia o pessoal inscrito para participar do sorteio dos imóveis, quando eles estivessem prontos. O que nunca aconteceu. A ocupação foi feita por quem estava inscrito e também por quem não estava, mas nunca permitimos a comercialização. Nosso movimento era para que as pessoas pudessem ter suas casas e ter a oportunidade de um lar. Tenho certeza que 99% dos moradores que ficaram aproveitaram a oportunidade, criaram seus filhos e são pessoas do bem. Acredito que valeu a pena toda a luta e todo o nosso esforço pela dignidade”, concluiu Osvaldo.

Após seis meses de enfrentamentos e resistência, foram abertas as negociações com a COHAB e, através de uma assembleia geral, os ocupantes aprovaram a proposta sugerida pelo governo, e os 5.924 imóveis invadidos começaram a ser regularizados, dando início ao surgimento do bairro, hoje conhecido como Guajuviras, o mais populoso da cidade. Considerado um exemplo de êxito na militância e luta por moradia, tornou-se um referencial principalmente para os movimentos sociais e debates sobre as articulações pela conquista de território e apropriação do espaço urbano.

Conquistas dos moradores nesses 36 anos:

Escolas Municipais de Ensino Fundamental:
EMEF Carlos Drummond de Andrade – Quadra X, n° 400 – Setor 5
EMEF Erna Würth Avenida – Avenida 17 de Abril, n° 430
EMEF Paulo Freire – Rua Ernesto Che Guevara, n° 281
EMEF Professora Nancy Ferreira Pansera – Rua 122, n° 336 – Setor 6 – Área Verde
EMEF Guajuviras – Rua André Luiz dos Anjos Conceição, n° 577 – Quadra 1 – Área Verde 1

Escolas Municipais de Ensino Infantil
EMEI Anísio Spíndola Teixeira – Rua Ernesto Che Guevara, n° 208
EMEI Cara Melada – Avenida 17 de Abril, n° 1991
EMEI Olga Machado Ronchetti – Rua 13B, n° 705 – Triangulo do Nazário
EMEI Vó Corina – Avenida 17 de Abril, s/nº
EMEI Vó Nelsa – Rua dona Luci, n° 300

Praças
Praça do Setor 1 – Quadras Bb Setor 1
Praça do Setor 1 – Quadra O Setor 1
Praça do Setor 1 – Quadra W Setor 1
Praça do Setor 1 – Quadra Cruz Malta Setor 1 Com Quadra F
Praça do Setor 2 – Quadra B Setor 2
Praça do Setor 2 – Quadra V Setor 2
Praça do Setor 2 – Quadra Ee Setor 2
Praça do Setor 3 – Quadra A Setor 3
Praça do Setor 3 – Quadra R Setor 3
Praça do Setor 4 – Quadra B4 Setor 4
Praça Antônio Carlos Viana – Setor 4 (Lado Bm)
Praça 16a Guajuviras – Alameda 4 Setor 1
Praça Gov. Ildo Meneguetti – Setor 6 Quadra F
Praça Doze de Outubro – Setor 6 Quadra P
Praça Setor 6 – Quadra Z Setor 6
Praça K Guajuviras – Rua 103 com Rua Eucaliptos

Hangar Cultural Oli Borges – Estrada Passo do Nazário, 3150

Unidade de Pronto Atendimento (UPA)

Unidade Básica de Saúde
UBS CAIC – Avenida 17 de Abril, 241
UBS Guajuviras – Avenida Principal, 1991