Foi o ano das bruxas cantoras e irmãs briguentas, ansiedades animadas e robôs neuróticos, melhores amigas superpoderosas e trios movidos a tênis. Os filmes biográficos musicais variavam de Amy Winehouse a Robbie Williams. Um drama de abuso doméstico era vendido como um tradicional feed de romance/influenciador de estilo de vida no Instagram, completo com um livro de colorir. Grandes oscilações de grandes nomes às vezes levavam a grandes, grandes erros. As pessoas reclamavam da fadiga da franquia, mas os 12 filmes de maior bilheteria de 2024 eram sequências ou capítulos de uma longa série de filmes.
O ano de 2024 foi uma montanha-russa, e, sejamos francos, a maioria das quedas foi bem feia. As bilheteiras, que deveriam estar celebrando uma onda de sucesso, sofreram um revés atrás do outro. E olha, se você acha que os filmes de franquia salvariam o ano, está bem enganado. Só o tagarela anti-herói de sempre e as sequências de Gladiador e Duna conseguiram arrancar as multidões do conforto de suas casas e empurrá-las para as salas de cinema. Já a sequência de Coringa, que todos achavam que ia ser a salvação, foi um verdadeiro fiasco. Até os donos de cinema, que estavam na expectativa de salvar a temporada, ficaram olhando para as bilheteiras como se fossem o túmulo de seus negócios. Não foi fácil — e, sinceramente, parecia que o cinema global estava afundando numa espiral de sequências previsíveis e fórmulas desgastadas.
Quando chegou a hora de compilar uma lista dos 20 destaques do nosso ano no cinema, lutei muito para reduzí-la para apenas 20 entradas. Algumas das melhores coisas que vimos saíram do que sobrou dos estúdios tradicionais, outras vieram de streamings e outras ainda foram direto de festivais para breves períodos de arte na sua smart TV em menos de um piscar de olhos. No entanto, independentemente de onde eles se originaram — ou se eram sátiras de terror corporal, filmes de vingança de filmes B, modestos estudos de personagens, parábolas animadas, documentários elípticos ou um gênero familiar virado do avesso — cada um dos filmes a seguir nos inspirou a continuar perseguindo aquele momento em que as luzes se apagam, a tela se acende e você sente que está prestes a levitar para fora do seu assento.
- Duna: Parte Dois (Max)
Denis Villeneuve cumpre muito bem a promessa de sua adaptação de 2021 do romance de ficção científica de Frank Herbert, continuando de onde parou (quase depois da metade do livro) e se aprofundando nos temas de poder, moralidade, revolução e o que acontece quando um messias relutante abraça seu destino não com sabedoria, mas de uma forma bem certeira. Você tem um Timothée Chalamet mais durão, um Austin Butler verdadeiramente psicótico, uma Florence Pugh temperamental e o dobro de vermes da areia. Mais importante, você tem a chance de ver Villeneuve expandir o mundo que ele construiu a partir da prosa de Herbert e fazer justiça ao escopo, à escala e à pura estranheza de um toque sem trocadilho intencional. É assumidamente nerd e duas vezes mais assumidamente cinematográfico.
- Rebel Ridge (Netflix)
Neste filme de vingança, Terry Richmond (um Aaron Pierre forte, silencioso e carismático) está indo para uma delegacia de uma cidade pequena para resgatar seu primo quando ele é derrubado de sua bicicleta, assediado e roubado por policiais racistas. O xerife local (Don Johnson) avisa esse estranho para esquecer seu dinheiro e seus parentes, e dar o fora dos limites da cidade antes que o sol se ponha. Exceto que Terry é um ex-fuzileiro naval especializado em treinamento de combate corpo a corpo e tem bastante facilidade com armas. O roteirista e diretor Jeremy Saulnier (Green Room) é um dos poucos cineastas em atividade que consegue encenar um suspense retrô como este com a mesma dose de garra e talento.
- Jurado Nº 2 (Max)
Sendo o que muitos cinéfilos afirmam ser o último filme de Clint Eastwood, Jurado Nº 2 não foi bem tratado pela Warner Bros como deveria. Muitos afirmaram – e eu assino embaixo – que Eastwood merecia uma estreia no cinema à altura para um filme como este, que é uma bomba cinematográfica, calando a boca de todos os detratores diretamente da mão de quem trouxe Os Imperdoáveis, Menina de Ouro, Sobre Meninos e Lobos e Gran Torino. Mas o diretor duas vezes vencedor do Oscar sabe muito bem como contar uma excelente história, que tem como plano, desta vez, os tribunais e um grande questionamento sobre o que é realmente a justiça, o senso de moralidade entre certo e errado e do que realmente é certo diante da visão do diretor norte-americano de 94 anos. Se esta é uma despedida, só o tempo dirá, mas torço para que ele viva mais 94 anos.
- Nosferatu (No cinema)
De todos os filmes de terror que foram lançados em 2024, e tivemos muitos realmente muito bons, a mais nova versão da obra de Bram Stoker roubou o holofote totalmente. Quarto filme de Roger Eggers, Nosferatu é a mais nova obra-prima lançada, inclusive entrando em comparação com os outros filmes anteriores sobre Drácula. (Ainda que tenha lançado no início de janeiro de 2025, o filme era para ter sido lançado em 2024, como aconteceu em outros países). Esta versão de Nosferatu é totalmente pessoal para o cineasta norte-americano, e agora ele entrega um estilo novo, com uma história revisitada. Eggers coloca Nosferatu em sua própria máquina de desespero, esculpindo a história de “homem que encontra vampiro dá errado” com uma precisão que faria Murnau aplaudir — sem suavizar as arestas, sem tirar a sujeira, sem deixar nada macio ou polido. Não há tempo para ser sutil ou pretensioso. Talvez ninguém tenha pedido, mas o que você não pode negar é que Eggers é o nome apropriado para dar a essa geração o pesadelo que eles merecem.
- Flow (Em breve no cinema)
A inscrição da Letônia para o Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano é um filme de animação que acompanha um gato tentando sobreviver a uma catástrofe natural depois que o vale verdejante que ele chama de lar é inundado. Ele une forças com um cachorro, um pássaro parecido com uma cegonha, uma capivara e um lêmure para comandar um barco e buscar abrigo em terreno mais alto. Não há diálogo e, no que parece ser o mais ousado dos movimentos, o diretor Gints Zilbalodis renuncia a qualquer tentativa fácil de antropomorfizar essas criaturas — é um pouco como assistir ao documentário sobre a natureza mais emocionante já esboçado. Simplesmente deslumbrante.
- Rivais (Prime Video)
A partida de duplas de drama de tênis e romance de triângulo amoroso torturado de Luca Guadagnino dá à sua santíssima trindade de jovens atores a vitrine perfeita, além de adicionar uma quantidade séria de calor a uma história em que os backhands servem como preliminares. Isso confirma que Zendaya não é apenas uma estrela, mas uma força da natureza quando tem a chance de dar as cartas, servindo como musa e mestre para o campeão acelerado de Mike Faist e o charmoso esgotamento de Josh O’Connor. Além disso, o filme prova que nada é mais excitante do que um jogo bem jogado, e presenteia o mundo com o churro mais homoerótico da história do cinema. Entre este filme de esportes e sua colaboração na igualmente ousada adaptação de William Burroughs, Guadagnino e o roteirista Justin Kuritzkes tiveram um ano muito bom, de fato.
- Emília Pérez (Em breve no cinema)
Emília Pérez tem dividido opiniões. O filme do cineasta francês conta a história de Rita (Zoe Sadana), uma advogada a serviço de uma grande empresa que está mais interessada em ganhar dinheiro inocentando criminosos do que servir à Justiça. Ela é contratada para ajudar o líder fugitivo de um cartel de drogas mexicano, Manitas (Karla Sofía Gascón), que quer abandonar os negócios e se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual, para afirmar o gênero com o qual se identifica e mudar de vida. O recém vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme de Língua Não Inglesa mistura o drama de cartel mexicano com temas universais, como sexualidade, autodescoberta — tudo isso dentro de um musical simbolicamente revelador.
- Dahomey (MUBI)
Mati Diop, a mente por trás de Atlantics (2019), agora mergulha em um território ainda mais selvagem e carregado de história: a busca por tesouros do Benin, aquela nação da África Ocidental — o que um dia foi o lendário Reino de Daomé — que foi pilhado de forma brutal no final dos anos 1800 pelos franceses. Mas o que você imagina ser uma recuperação gloriosa desses artefatos roubados se transforma em algo mais parecido com um golpe de mestre do sistema. Quando as centenas de objetos saqueados começam a retornar, a reação das pessoas é um caldeirão fervente de sentimentos. Alguns respiram aliviados, enquanto outros explodem de raiva porque, adivinha só, só 26 das relíquias foram devolvidas. Isso mesmo, 26. E como se a realidade não fosse sombria o suficiente, Diop nos lança para dentro da mente dos próprios objetos. Uma visão visceral, profunda e ao mesmo tempo inquietante sobre o legado do colonialismo, o preço que pagamos pela história e o peso insuportável de uma nação que tenta se entender através de sua identidade cultural, agora dilacerada.
- Conclave (Em breve no cinema)
Nenhuma regra é quebrada na abordagem especializada de Edward Berger sobre o mistério best-seller de Robert Harris sobre, além de todas as coisas, a eleição de um novo papa. Esta comida reconfortante da velha escola de Hollywood, com atuação sublime de um elenco liderado por um Ralph Fiennes e Isabella Rossellini lindamente matizados, acalma o público polarizado pelos movimentos ousados do nosso tempo que já vimos em A Substância e Emília Pérez. Tudo começa com planos bem destacados e câmeras estáticas, um papa morto e os bispos de todos os cantos do mundo para um conclave — e a dificuldade para o bispo vivido por Fiennes para alinhar e realizar uma votação justa diante dos sacramentos da Igreja Católica e de Deus. Nosso Senhor, no entanto, escolhe quem realmente for puro de coração. Você será impactado com o final nada esperado. É um filme polêmico.
- Wicked (Prime Video/Apple TV+)
Esse ano foi muito bom em musicais, e sinceramente não tenho como deixar de fora Wicked, a a adaptação deslumbrante e explêndida de Jon M. Chu do sucesso musical da Broadway — uma versão mais humanista sobre a Rainhá Má do Norte, a vilã de O Mágico de Oz, o grandioso clássico de 1939 de Victor Fleming. Tenho recebido muitas críticas por dar importância para este musical, que se tornou um grande sucesso de bilheteria em um ano tão fraco no cinema, mas não tem como ignorar a importância de uma adaptação do cunho de Wicked. Além da adaptação desta grande peça, as atuações estelares e grandiosas de Ariana Grande e Cynthia Erivo como grandes bruxas inimigas, as duas atrizes estabelecem um novo padrão de ouro para mostrar como realmente se fazem musicais de grande qualidade para as telas de cinema. Assista Coringa: Delírio a Dois e verá um exemplo perfeito de como fazer um musical horrível.
- The Outrun (Em breve no cinema)
The Outrun é uma viagem alucinada por uma paisagem emocional devastada, onde a fuga não é só do lugar, mas de si mesma. A protagonista (Saoirse Ronan em uma de suas melhores atuações em muito tempo), após um colapso existencial, tenta encontrar um pedaço de humanidade na vastidão de uma Escócia sombria e brutal, que parece absorver sua alma enquanto ela tenta reconectar com a vida depois de um período de reclusão. A história, baseada no livro de Amy Liptrot, mistura o desespero de um presente corroído com a busca frenética por uma redenção que parece cada vez mais distante. O filme é uma overdose de introspecção: uma corrida sem destino, guiada por paisagens desoladas e o eco de um passado sombrio, onde a salvação nunca parece verdadeira e a fuga é a única coisa que ainda faz sentido. Com uma direção que faz você sentir o peso do ar gelado e o vazio nas vísceras, The Outrun é um grito abafado contra o esquecimento e uma dança com a morte disfarçada de redenção.
- Não Espere Muito do Fim do Mundo (MUBI)
O fim não chega com um estrondo, mas com uma postagem no TikTok de um falso incel se gabando de sua vida sexual fake e prolífica, como se a sociedade estivesse dando sua última risada amarga antes de desaparecer de vez. Radu Jude, o cineasta romeno, destrincha a alienação de nosso tempo com uma sátira que não tem medo de ser cruel. O filme segue Angela (Ilinca Manolache), uma assistente de produção em Bucareste, imersa na economia de bicos, vivendo a escravidão assalariada do presente e comparando com o pesadelo do regime Nicolae Ceaușescu, com a conclusão óbvia: as datas no calendário mudaram, mas o resto é puro vazio. Nas redes sociais, ela se transforma em Bobita, seu alter ego tóxico e insuportável, uma caricatura da masculinidade tóxica. O clímax, com uma família sendo gaseificada e a realidade sendo sequestrada, deixa claro que o apocalipse não é mais uma explosão de violência, mas uma banalização cruel, um desfile de memes e postagens vazias que nos afundam, cada vez mais fundo, no abismo da desumanização.
- A Semente do Fruto Sagrado (Em breve no cinema)
A escolha da Alemanha para tentar o Oscar de melhor filme internacional, na verdade, é um filme iraniano. Sim, não é um filme alemão. Acontece que Mohammad Rasoulof filmou A Semente do Fruto Sagrado no Irã antes do governo revolucionário descobrir. O máximo que eles conseguiram foi mandar uma condenação para Rasoulof por “produzir propaganda anti-governamental”. Este filme, portanto, é uma resistência potente sobre como o sistema judiciário iraniano foi tomado por uma xaria machista e xenófoba, que tomou conta das instituições para esconder a verdade por trás de um país que reprime as mulheres e oprime a liberdade de expressão. Tudo começa com uma arma como problema, quando o patriarca de uma família é juiz e ganha uma arma para proteção. Quando ele perde a arma, é então que os problemas com ele, sua família e o Estado realmente começam. Em qual país sério no mundo um homem pode realmente perder o cargo pela qual tanto sonhava por perder a arma que o Estado lhe dá? Repito de outra forma: em qual país sério no mundo uma mulher não pode sair para fora de casa e viver normalmente como um homem? Reflitam.
- A Substância (MUBI)
Se você acha que a última provocação da mestre francesa Coralie Fargeat (Vingança) seria só mais uma dose de inteligência fria, astúcia afiada e sangue derramado com estilo, você está completamente equivocado. Nem mesmo o seu histórico de filmes selvagens prepara você para o choque de realidade que é este clássico instantâneo do terror corporal. O enredo é simples, mas implacável: uma estrela de TV (Demi Moore), engolida pela mordida do tempo, lutando contra o envelhecimento enquanto se vê descartada pela indústria que um dia a venerou. Ela descobre um serviço secreto de assinatura que promete uma versão mais jovem de si mesma. O truque é que ela e sua “gêmea” de vinte e poucos anos (interpretada por Margaret Qualley) têm que seguir um conjunto de regras tão insanas que mais parecem uma sentença de morte. É um riff de O Retrato de Dorian Gray, mas com uma carga de adrenalina e sangue que vai fazer você gritar de prazer. O filme se transforma numa viagem balística rumo ao inferno da obsessão, com tanta violência que vai deixar o elevador de plasma de O Iluminado parecendo um simples truque de magia. A Substância não quer curar essa misoginia, nem vai desmontar a hipocrisia e o machismo vomitante de Hollywood, mas apenar revelar o maior inimigo é quem olhamos através do espelho.
- Tudo Que Imaginamos Como Luz (Em breve no cinema)
Tudo Que Imaginamos Como Luz surge como uma ode ousada às amizades femininas e à sinfonia caótica da cidade grande. O after hours de Mumbai, raramente tão sedutor na tela, serve de pano de fundo para um conto surpreendente de Payal Kapadia sobre três mulheres batalhando para reconciliar suas vidas românticas, o deslocamento insano e a solidão invisível que as consome. Se esse filme não tivesse quebrado a sequência brilhante de M.I.A., seria marcante do mesmo jeito — Kapadia mistura sua assinatura de docu-híbrido, que já vimos em Uma Noite Sem Saber Nada (2021), com uma visão das ruas de Mumbai que exala um lirismo vivido, uma energia que pulsa. As histórias não se encontram apressadamente, se colidindo de forma suave, mas existindo ali, uma ao lado da outra, como se a narrativa se permitisse respirar no caos. Um segredo: não são três histórias separadas, mas sim uma celebração visceral e intergeracional da irmandade. O filme explode como um manifesto, como uma reverência ao que une essas mulheres, no centro de uma metrópole que nunca dorme, onde a solidão é uma sombra constante, mas a cumplicidade ainda tem o poder de iluminar a noite.
- Ainda Estou Aqui (No cinema)
Ainda Estou Aqui chegou aos poucos, sorrateiramente, e agora em um dos grandes sucessos de bilheteria nacional em muitos anos. Não é de surpreender que Walter Salles (Central do Brasil, Diários de Motocicleta) tomasse a atenção de todos com a história real envolvendo o caso Rubens Paiva: quando o engenheiro e político brasileiro (interpretado com maestria por Selton Mello) fora convocado ilegalmente pela polícia e nunca mais retornou ao seu lar. Rubens foi torturado e assassinado nas dependências de um quartel militar entre 20 e 22 de janeiro de 1971, mas o caso mais assustador aqui é como Eunice Paiva, esposa e matriarca de sua família interpretada por uma Fernanda Torres espetacular em sua atuação, foi resiliente e lutou contra o sistema brasileiro para reconhecer que seu marido foi assassinado. As nuances de Ainda Estou Aqui soam tão instáveis, com cores de alegria que pacificam e mudam gradualmente quando Eunice sabe que algo está para acontecer. Também é uma grande oportunidade de expor o Caso Rubens Paiva para as massas, além de colocar novamente o cinema brasileiro no holofote na temporada de premiações. Ainda Estou Aqui está lutando para chegar ao Oscar de Filme Internacional. Se depender da nossa vencedora do Globo de Ouro, a revolução começa aqui.
- Anora (Em breve no cinema)
É aquela velha história de “garoto conhece garota”, mas imagina o garoto sendo o herdeiro mimado de um oligarca russo, e a garota, uma dançarina/exótica acompanhante do Brooklyn que topa uma proposta de casamento tão improvisada quanto os próprios sentimentos dele. O mais recente de Sean Baker (o mestre de filmes como Tangerina, Projeto Flórida) parece Uma Linda Mulher e Jóias Brutas. A dançarina de strip de classe trabalhadora, interpretada pela feroz Mikey Madison, é puxada para o mundinho de orgias e excessos do garoto rico hedonista, vivido por Mark Edelshteyn. E não demora muito para que eles troquem os becos do Brooklyn por mansões e escapações insanas em Las Vegas. A classe social e a vida à margem da sociedade ganham um toque ácido e até um pouco sujo, e a comédia aqui, com sua lâmina afiada, tem a mesma vibração de um soco no estômago. Madison não podia pedir uma vitrine melhor – e, cara, ela arrasa. Ela brilha, nesse que parece ser seu momento de estrelato. E Yura Borisov, no papel de um bandido idiota, traz a pulsação do filme, a batida frenética que você não consegue parar de ouvir. E a cena de fechamento é tão boa que você vai querer assistir de novo e de novo, porque é simplesmente perfeita.
- A Verdadeira Dor (Em breve no cinema)
A comédia dramática do ator-escritor-diretor Jesse Eisenberg sobre dois primos — um hippie desgovernado e socialmente desinibido (Kieran Culkin) e o outro um neurótico paranoico com o equilíbrio de um cacto (Eisenberg) — se arrastando até a Polônia para prestar homenagens à avó que já foi engolida pela terra, é um espetáculo de alta voltagem de sensibilidade sob a direção de Eisenberg. Ele tem uma habilidade visceral de pegar o ponto exato entre o hilário e o dolorido, sem piedade. A maneira como ele segura o bastão para o Culkin, um furacão de um ator que joga todas as suas fichas no exagero e na vulnerabilidade, é uma aula de como controlar o caos. A relação deles, com a tensão de quem está o tempo todo em cima de uma bomba-relógio emocional, funciona como um tiro na testa. E se isso tudo não fosse suficiente, Eisenberg consegue mergulhar de cabeça no trauma geracional sem descer ao nível da previsibilidade emocional ou da falácia do otimismo barato. O filme está mais para um grito de alma do que para uma lição de moral, abraçando o tipo de personagens sujos, desgastados e profundamente humanos.
- O Brutalista (Em breve no cinema)
Brady Corbet, o ator que decidiu jogar o jogo da direção, arrisca tudo nesta obra frenética e desafiadora sobre um arquiteto húngaro chamado Lázsló Tóth (interpretado por Adrien Brody). Fugindo para os Estados Unidos no fim da Segunda Guerra, ele acaba sendo capturado pela sirene sedutora de um rico industrial (Guy Pearce), que o força a projetar um centro comunitário em Doylestown, Pensilvânia. Mas logo o que parecia ser uma chance se transforma em um pesadelo sufocante, uma espiral de desesperança onde o sonho americano se revela mais mortal do que qualquer guerra. É uma vibração que explode no estilo épico dos anos 70, com um toque de grandiosidade, um tempo de execução que parece durar uma eternidade, e uma impressão de 70mm que vai fazer você questionar a sua própria vida quando vê-la em uma tela maior. Corbet destrói o conceito de “escala”, criando uma obra-prima moderna que transcende qualquer expectativa. O Brutalista mergulha na alma americana e deixa marcas para futuras gerações de cinéfilos que, quem sabe, terão que entender o que é ser esmagado pelo mito de uma terra prometida.
- As Três Filhas (Netflix)
O filme de Azazel Jacobs é uma jornada visceral por uma terra de ressentimentos e explosões familiares, onde três irmãs atiradoras tentam lidar com um patriarca que está se preparando para morrer. O que temos aqui é uma obra-prima em gestação, se você tiver coragem de se aproximar das feridas abertas que ele nos apresenta. Não é que essas três irmãs algum dia tenham sido íntimas: Katie (Carrie Coon), a controladora passivo-agressiva, esmaga o ambiente com sua constante necessidade de controle; Rachel (Natasha Lyonne), a maconheira irreverente, é um vulcão de rebeldia anestesiado por anos de cuidados com o pai; e Christina (Elizabeth Olsen), a otimista Deadhead em busca de um milagre, quer que todos se amem, embora o amor já tenha se evaporado da sala há muito tempo. Cada uma delas tem suas desculpas esfarrapadas, seus mecanismos de sobrevivência e uma quantidade excessiva de mágoas que as fazem não se suportarem mais.
Jacobs, sempre um mestre em extrair o melhor dos seus atores, se joga aqui de cabeça, dando um espaço delicioso para as atrizes se incendiarem. As dinâmicas dessa trindade de almas em fúria são magnéticas, uma mistura de raiva contida e explosões de vulnerabilidade. A performance de Lyonne é um espetáculo; ela não só faz o melhor trabalho da sua carreira, como é quase como se tivesse capturado o espírito de um vendaval e o tivesse posto na tela. Não há uma única linha que soe falsa. É a realidade nua e crua de uma família que, apesar de tudo, ainda tenta encontrar algum resquício de amor ou redenção. Tolstói estava certo: toda família é disfuncional de sua própria forma. Mas As Três Filhas nos lembra que, no fim, essas amarras, que nos sufocam e nos curam ao mesmo tempo, são mais familiares e universais do que gostaríamos de admitir.