Longlegs: Vínculo Mortal mergulha mais uma vez no terreno familiar do terror policial, onde a profissão de detetive se funde com a obsessão e a loucura. No mundo deste gênero, parece que os papéis são sempre os mesmos: assassino, prostituta, presidente, ou o agente de polícia que persegue serial killers, arriscando não só a própria segurança, mas também a sanidade. O filme, consciente de que a profissão de policial já foi retratada inúmeras vezes desde que Clarice Starling fez seu pacto com Hannibal Lecter, se esforça para se diferenciar apenas o suficiente, evitando cair nas armadilhas do previsível.
Mesmo assim, o filme não deixa de trazer elementos familiares. A jovem agente federal Lee Harker (Maika Monroe) é tão dedicada ao seu trabalho que parece ser movida por uma força quase sobrenatural. A forma como ela identifica a casa suburbana de um suspeito logo no início do filme nos faz pensar que, para ela, isso não é apenas uma carreira, mas uma missão. O superior de Harker, o agente Carter (Blair Underwood), é um veterano respeitado no ramo, e juntos caçam um assassino grotesco de maquiagem e glam rock. Esse antagonista, interpretado por Nicolas Cage, traz uma energia única, sua performance uma mescla de excentricidade e ameaça palpável, elevando o filme a outro nível.
Osgood Perkins se destaca por transformar clichês em algo inquietante e novo. Ele constrói seu currículo como um cineasta que prefere o terror atmosférico ao gore explícito, uma qualidade evidente em trabalhos anteriores como A Enviada do Mal e I Am the Pretty Thing That Lives in the House, sem distribuição no Brasil. Perkins cria uma tensão latente que permeia o filme, optando por uma abordagem que prioriza o desconforto e a estranheza. Em Vínculo Mortal, ele demonstra mais uma vez sua habilidade em capturar o medo que surge do desconhecido, e das nuances sinistras da vida cotidiana, em vez de confiar apenas em sustos fáceis.
O longa-metragem, no entanto, não se limita a chocar. Há uma preocupação genuína em explorar o terror que se esconde nas entrelinhas da cultura norte-americana do final do século XX. Com referências astutas, como a presença do retrato de Bill Clinton no escritório de Carter, Perkins sugere que o mal retratado aqui não é apenas pessoal, mas cultural, algo que se enraizou profundamente na psique coletiva. Longlegs é menos sobre a perseguição a um assassino psicopata e mais sobre a atmosfera de pesadelo que a história evoca — uma obra que usa os tropos do gênero para criar uma experiência que é tão perturbadora quanto envolvente.
Essa abordagem de estilo sobre substância não é apenas uma escolha estética, mas uma declaração sobre o estado atual do terror no cinema. Em vez de simplesmente seguir fórmulas estabelecidas, Perkins nos lembra que o verdadeiro terror não está nos atos sangrentos em si, mas naquilo que se insinua por trás deles. E nesse sentido, Vínculo Mortal se posiciona como um estudo sobre o medo moderno, onde o terror é tanto um sentimento quanto uma crítica à sociedade que o produz.
Se você está esperando por sustos sutis, Longlegs: Vínculo Mortal pode não ser o filme para você. Sem revelar muito, prepare-se para ouvir o nome Satanás ser mencionado mais de uma vez. E, se você tem fobia de freiras ou bonecas realistas que parecem estar te observando, é melhor reconsiderar antes de assistir. O filme brinca com esses medos universais, explorando o desconforto de forma tão eficaz que pode fazer você pensar duas vezes antes de dormir com as luzes apagadas.
Além disso, se protagonistas socialmente desajeitados ao ponto de estarem possivelmente no espectro, atores veteranos com licença para exagerar (e exagerar ainda mais), ou uma trilha sonora que inclui T. Rex causam a você algum incômodo, este filme pode desencadear algumas urticárias. O exagero é proposital e funciona dentro da atmosfera peculiar que Perkins constrói, criando um ambiente onde o absurdo e o assustador coexistem.
Maika Monroe, que já garantiu seu lugar no cânone dos filmes de terror com Corrente do Mal, mostra que pode segurar as rédeas de um papel à la Clarice Starling com maestria. Sua performance é um equilíbrio de vulnerabilidade e determinação, tornando ela uma protagonista que, mesmo em meio ao surreal, permanece ancorada em uma realidade crível.
Por outro lado, Nicolas Cage é, sem dúvida, o ator perfeito para dar vida a um vilão com uma bússola moral completamente destruída e uma loucura desenfreada. Sua performance não apenas ultrapassa os limites do plausível, mas também os redefine, e eleva o filme para um nível de estranheza que poucos atores conseguiriam alcançar. Cage domina a tela de uma forma que sugere não apenas um personagem quebrado, mas alguém que abraça sua própria insanidade com uma espécie de prazer perverso.
Perkins deixa claro que ele está marcando território em um subgênero bem conhecido, mas o faz com uma precisão e um estilo que são inconfundivelmente seus. Ele sabe exatamente o que está fazendo ao misturar elementos familiares com uma dose de bizarrice que desafia o espectador a aceitar o absurdo. O filme é uma declaração ousada de um diretor que entende o terror não apenas como um gênero, mas como uma forma de arte que pode ser moldada e distorcida para criar algo perturbador.
Longlegs: Vínculo Mortal está disponível no Arcoplex Cinemas do Shopping do Vale.